“You know marrying money is a full time job
I don't need the aggravation
I'm a lazy slob
I hang fire, I hang fire
Hang fire, put it on the wire”
The Rolling Stones, ‘Hang Fire’, Tattoo You, 1981
No trabalho de Yonamine (Luanda, 1975) a interação de meios de produção, expressos pela forma como constrói as suas obras, reequaciona a hierarquia de referentes culturais e tipologias sociológicas numa prática cumulativa que se expande ao ritmo das experiências do seu quotidiano enquanto homem mundano,
ser cosmopolita que reconhece em si mesmo a pulsão de comunhão e pertença ao mundo em qualquer latitude onde se encontre.
Desde Luanda - a sua cidade natal - a Muyehlekete, em Moçambique, a Cali, na Colômbia (2010), onde esteve em residência artística e iniciou a série Tattoo You, até à sua mais recente passagem pelo Oriente a caminho da Austrália, Yonamine apropria-se de imagens, gestos e ações que reconhece como sinais de mestiçagem ou de ambivalência entre o fascínio do colono pelo colonizado e as suas manifestações culturais, ancestrais e contemporâneas, encapsuladas num universo global marcado pela transição colonial.
Esta conjunção de referentes traduz uma atividade artística prolífica e diversificada, como podemos observar nas obras desta exposição. São disso exemplo os desenhos executados a tinta da china sobre papel de jornal editado na China (estes jornais foram uma das suas primeiras impressões visuais ao chegar ao Oriente),
e que serviram de matéria base para o artista cruzar desenhos de tatuagens e escarificações corporais (estas últimas são tradição dos povos aborígenes australianos, sendo a sua prática hoje proibida).
Outra obra, CAN (da série Tattoo You, que percorre influências como os Rolling Stones, Jimi Hendrix ou Hélio Oiticica), uma instalação vídeo em que o autor apresenta uma orquestra de percussão cuja composição é marcada pelo ritmo das agulhas a tatuarem latas, indicia um interesse pela incisão sobre um corpo,[1] seja
este um tronco de árvore escarificada da Oceânia, ou folhas de coca tatuadas. Há aqui uma estreita relação ao corpo, como lugar de significação ética, moral e económica, no sentido em que o corpo é o agente da manufatura e simultaneamente o lugar do risco, do mercado, e a matéria dócil e sensorial de qualquer celebração iniciática.
A exposição “SÓ CHINA” é mais uma etapa do seu trabalho de campo, como experiência disseminada por contextos diversos, que aglutina os seus métodos de produção e reflexão, deixando em aberto procedimentos e decisões que são testados no espaço expositivo, no sentido em que este é, a limite, um outro momento de experimentação e confronto.
João Silvério
Fevereiro 2012
[1] Como, por exemplo, na obra da artista Catherine Opie, que num autorretrato de 1999 exibe nas costas alguns desenhos infantis feitos com
uma lâmina e no braço direito uma tatuagem serpenteante.