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Curadoria de Alexandre Melo
Where Is Onde
27

 

Novembro

 

2025
17

 

Janeiro

 

2026
Where Is Onde

Juan Araujo | Robert Barry | Tomory Dodge | Jack Goldstein | Vera Lutter | Julião Sarmento | Rirkrit Tiravanija | João Pedro Vale + Nuno Alexandre Ferreira | Yonamine | Lawrence Weiner | Fischli and Weiss



Lugares

 

Algumas décadas atrás, ainda se ia “dar um passeio” até ao aeroporto para ver os aviões. Nesta modalidade, o aeroporto ainda era um sítio, um destino — algo comparável a um lugar. No sentido tradicional, o lugar está associado à fixação e delimitação da identidade, território e enraizamento de um grupo. Exemplos mais óbvios são as noções antigas de “terra” ou “lar”. 


 “O ‘não-lugar’ será então um lugar que não é relacional, não é identitário e não é histórico. Materializa-se nas autoestradas, nos aeroportos e nas grandes superfícies”.(1) Hoje, um aeroporto serve apenas, de modo mais ou menos penoso, para por lá se passar a caminho do que imaginamos ser um lugar de destino. Por mais voltas que se lhe dê, por mais gigantesco e sobrelotado que esteja, um aeroporto é vazio, nada.  


A obra Airport (Frankfurt – Condor), realizada entre 1998 e 2000 por Peter Fischli e David Weiss, consiste numa impressão Cibachrome sobre Syntac e integra a série “800 Views of Airports”, na qual a dupla documenta imagens de aeroportos aparentemente anónimos, entre partidas e chegadas, durante as suas viagens pelo mundo. 


Com recurso à câmara escura e ao processo de ampliação em gelatina de prata sobre papel, Vera Lutter transporta-nos, desta vez, para o interior do hangar — Frankfurt Airport XV: Hangar 5: May 7-15 (2001). Este díptico integra um projeto fotográfico iniciado em 1997 sobre o tema das viagens, transportes e expedições. 



Destinos


Entre lugares ou não-lugares existirão caminhos. Fala-se de expectativas, objetivos, horizontes, destinos: ardis e logros do pensamento. 

“Now One Sees It”, “Now One Don’t”, “Here Is It”, “Here Is It Not”.

  

Lawrence Weiner disse que as suas obras eram “esculturas” e a leitura das frases deve suscitar um tipo de atenção e reflexão que leve a interrogações como “que sítio é este onde estou?”, “estou aqui a fazer o quê?”, “vou daqui para onde?”O artista não dá respostas. A cada um cabe seguir o seu caminho.

Dois personagens cruzam-se no deserto, esboçam um precário diálogo: “Where you going?” “I don’t know! You wanna help?”(2) 

Em Fin de Siécle (2024), João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira vestem-se de Super-Homem e põem-se a caminho de um gigantesco iceberg, que evoca, por um lado, o naufrágio da pintura O Mar de Gelo (1823), de Caspar David Friedrich e, por outro, a instalação do grupo General Idea, de 1990, com o mesmo título. Ou, talvez, avancem em direção a uma formação de criptonite (cristal conhecido por enfraquecer os poderes do super-herói), antecipando um momento de sacrifício ou autodestruição.



Coisas


Dir-se-ia que, em lugares ou não-lugares, ainda há coisas. O desenho arquitetónico de Walter Gropius para a Casa dos Mestres da Bauhaus, em Dessau — destruída durante a Segunda Guerra Mundial — persiste como ideia. Em Gropius Yellow Tiger (2011 - 2018) Julião Sarmento evoca uma coisa, mas tal é um começo de conversa, não uma conclusão ou lugar acabado. Há que juntar linhas, manchas, pelagens, cores. Afinal, não é uma casa: é uma pintura.

As obras de Tomory Dodge parecem explorar uma espécie de glitch (falha, colapso ou interferência) onde a imagem opera num limiar entre o domínio da representação e da abstração. Em Salton Sargasso (2005), Dodge não pintou um paralelepípedo semelhante a um prédio, a uma caixa de correio ou a um autocarro. Pintou uma pintura.


Quem diz ideia, diz história: produtos da imaginação, a capacidade de produzir imagens. 


Vejamos a fábula contada por Yonamine:


Uma abelha pediu ajuda ao curandeiro para salvar o seu filho doente, e este disse-lhe que precisaria de uma pena de cuco. O cuco, solidário, ofereceu uma das suas penas. Mais tarde, o filho do cuco adoeceu e o curandeiro explicou que apenas uma asa de abelha poderia curá-lo. A abelha recusou-se a ajudar, alegando ter apenas duas asas, e o cuco, magoado, prometeu revelar aos homens onde as abelhas guardam o mel. Cuco e Abelha (2025) é uma história, um fôlego, uma reação, qualquer coisa que provoca um spark. Com recurso a uma matéria altamente inflamável (tinta de rasqueiro), utilizada na produção de fósforos, Yonamine capta a tensão e o equilíbrio ímplicito entre o gesto e a chama. 

Tudo inventado, imaginado, feito imagem.

Novus Orbis (2019–2020), de Juan Araujo, conta uma história imaginada pelos primeiros espanhóis que chegaram à América do Sul. A obra recupera o episódio ligado ao nome de um país — Venezuela. Durante a expedição em finais do século XV, os exploradores depararam-se com palafitas (ou arquitetura sobre estacas) utilizadas pelas comunidades indígenas costeiras. A visão destas construções sobre a água evocou-lhes a arquitetura de Veneza, levando-os a chamar o território de Venezuela, ou a “Pequena Veneza” de Espanha.


As imagens pintadas por Juan Araujo são tão perfeitas que até parecem ser imagens de uma realidade, mas o que lhes concede a perfeição do efeito de realidade é serem reproduções pictóricas de imagens pré-existentes, neste caso retiradas da internet e associadas aos modos como alguém imaginou e mapeou um lugar.  

No limite o espaço não existe — apenas imagens bidimensionais, como se em ecrãs. Não entramos nem andamos em espaços, fazemos movimentos de câmara com o olhar e mais ou menos sofisticadas operações de montagem de imagens. Tudo é processo de produção de imagens. Para imaginar inexistentes coisas tridimensionais bastam as linhas de Robert Barry.



Desaparecer



Where is Jack Goldstein? (2002), óleo sobre tela, de Rirkrit Tiravanija.

 Em 1972, na exposição de final de curso da CalArts, passava quase despercebido o piscar de uma luz vermelha. A luz estava ligada ao bater do coração de Jack Goldstein, desaparecido sob o chão, respirando por um tubo de plástico.(3) A partir de inícios dos anos 1990, não se sabia onde estava Goldstein. Acabou por se descobrir que estava numa rulote sem água nem luz, focado em substâncias geradoras de efeitos peculiares.

Entre estes dois desaparecimentos, pintou algumas centenas das mais admiráveis e inclassificáveis pinturas deste período. Suicidou-se em 2003. 

“Dazzling light occupies the center of every painting, and Goldstein himself said that light illuminates the darkness of images such that ‘there are no longer any dark secrets’ (…) Light is displayed as sheer effect to its fullest capacity, in all its variations. It is displayed in its absolute depletion, its immaterial nothingness.”(4)

Se tudo correr bem, vamos para lá. Para o Céu. 



Alexandre Melo



(1) Filomena Silvano, Antropologia do Espaço, 2017, p.100.
(2) Gerry, filme de Gus Van Sant, 2002, minuto 57.
(3) Jack Goldstein and the CalArts Mafia, Richard Hertz, 2003.

(4) Philipp Kaiser em Jack Goldstein x 10000, 2012, p.133.


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