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26

 

Março

 

2015
16

 

Maio

 

2015
Rosângela Rennó - Insólidos
Rosângela Rennó - Insólidos
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Rosângela Rennó - Insólidos
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Rosângela Rennó - Insólidos
Rosângela Rennó - Insólidos
Rosângela Rennó - Insólidos
Rosângela Rennó - Insólidos

Com o título “Insólidos”, Rosângela Rennó (Belo Horizonte, 1962), apresenta uma nova exposição na galeria Cristina Guerra Contemporary Art, em Lisboa. 

O primeiro verso do excerto do poema de Manoel de Barros (1916-2014) abaixo reproduzido está intimamente ligado ao músico brasileiro Egberto Gismonti (Rio de Janeiro, 1947), que é o autor da “Música de sobrevivência” que a artista admira. 



“O que é bom para o lixo é bom para poesia 

Importante sobremaneira é a palavra repositório; 

a palavra repositório eu conheço bem: 

tem muitas repercussões 

como um algibe entupido de silêncio 

sabe a destroços”



Esta estreita relação poética encontra uma correspondência com a obra mais recente de Rosângela Rennó, no sentido em que a música e o poema religam o seu trabalho em torno da transitoriedade e precariedade das imagens. Porém, a artista utiliza a fotografia como um dado fenomenológico que ela própria respiga pelo mundo, procurando arquivos de fotografias impressas e diapositivos que adquire ou encontra. Independentemente da proveniência desses arquivos e documentos, muitos deles pertencentes a coleccionadores interessados nos primórdios da fotografia, e da forma como estes estão previamente organizados e indexados, o seu trabalho introduz uma outra esfera de ligações e de reinterpretações na forma como os recontextualiza e nos dá a ver um outro universo imaginário. 


É nesta transição que a fotografia reclama ao observador um reposicionamento do seu olhar sob formas e processos fotográficos que se materializam em meios diferenciados. São sempre imagens ligadas a uma narrativa que somos convidados a partilhar, mas o poder que cada imagem contém pode simultaneamente fazer-nos escapar ao seu historial sob a aura do seu encanto e maravilhamento. As imagens podem ser projectadas, sobrepostas ou coligidas em livros de artista que, respeitando os originais na totalidade ou fragmentando-os (como um facsimile), nos confrontam com acontecimentos e lugares que convocam momentos históricos, sociais e políticos. Vejamos, por exemplo, a obra “A01 [cod.19.1.1.43] — A27 [s|cod.23]”, 2015, que se constitui como um repositório sobrevivente de imagens em que a noção de arquivo é resgatada e recontextualiza a sua própria história, situando-nos perante os roubos de fotografias dos arquivos da Colecção Pereira Passos/Malta (depositados no Arquivo Geral do Rio de Janeiro), nomeadamente os dezanove álbuns furtados a esta colecção. Porém, o livro revela-se como um processo que ultrapassa a simples colecção documental para se transformar numa construção cinemática que em que cada folha se converte num campo visual, como um caleidoscópio planificado. As imagens representam as mudanças da cidade do Rio de Janeiro, as paisagísticas, e mais expectáveis, e todas as outras que na transição do tempo nos escapam. Nesta obra, o trabalho e o imaginário da artista abrem um outro campo de possibilidades que desafia a nossa imaginação a dar-lhe continuidade, projectando-o infinitamente na nossa mente. O título desta obra, uma cifra de registo, sobrevive intacto e corresponde à ordem numérica original dos álbuns coleccionados. 


Esta lógica de reconhecimento do que resta em cada imagem e do que lhe sobrevive percorre toda a exposição, desde a série “Insólidos” (2014), que lhe dá o título, até ao projecto intitulado “Imagem de sobrevivência” (2015). Uma instalação de estantes, como esculturas, que integra quatro projectores de diapositivos, do tipo carrocel, e o mesmo número de carroceis de substituição, que no seu conjunto totalizam cerca de mil e trezentas imagens. A projecção dos diapositivos sobrepostos cria uma imagem residual, que está próxima da sobre-exposição pela luz, numa relação quase espectral com a memória, entre a sua aparição e o seu desaparecimento na transparência da nova imagem que sucessivamente se sobrepõe até que as imagens se vão perdendo, desmaterializando-se na superfície da película, e um novo carrocel tomará o seu lugar. Por outro lado, o uso dos diapositivos remete-nos para um discurso sobre a acumulação incessante de caixas ou conjuntos de diapositivos, por vezes aos milhares, tipificada em arquivos e bibliotecas, bem como na intimidade do quotidiano familiar, que aí resguardava registos de infância, as férias, as viagens e outros acontecimentos que, quando visualizados, celebravam uma comunhão entre pessoas que partilhavam a mesma cumplicidade. 


A série “Insólidos” (2014) partilha essa cumplicidade com imagens que nos são próximas, diria até comummente familiares. E a ideia de partilha aplica-se também à forma como Rosângela Rennó tem trabalhado em diferentes suportes fotográficos e à sua relação com a reificação e transitoriedade do objecto fotografado. As quatro obras desta série, mais objectais e escultóricas, são compostas por imagens impressas em seis panos de organza de seda pura, um suporte translúcido, suspensas por um bastidor horizontal caindo livremente na vertical. A relação que o observador tem com as imagens de cada uma das obras vai activar os mecanismos da percepção, tanto em termos de contraste e tonalidade cromática como em termos de profundidade. A imagem é, desta forma, uma construção de imagens que a espessura da obra vai transformar num jogo sem hierarquia entre a sequência dos objectos que se descobrem e se encobrem, se tornam permeáveis e se fundem num outro objecto mais abstracto, sem contudo perder o índice formal e visual que aparentemente o distingue das outras camadas. Tal como na obra “Imagem de sobrevivência”, é necessário ver e rever, reposicionar o olhar diante dos seis planos de seda numa permanente tentativa de reconstrução da visualidade e das referências aí inscritas. “Insólidos” é também um jogo semântico em que a linguagem procura traduzir numa só palavra o paradoxo da sobrevivência entre o que é perene e simultaneamente fugaz; entre o que é insólito e inusitado e a solidez da sua aparente correspondência com a realidade da imagem fixada. 



João Silvério 

Março 2015 



 1 ”Matéria de poesia”, Manoel de Barros, fragmento 1 do poema do livro com o mesmo título, 1974 

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