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Curador João Pinharanda
Pintura: Campo de Observação - Parte II
16

 

Dezembro

 

2021
22

 

Janeiro

 

2022
Pintura: campo de observação parte II
Pintura: campo de observação parte II
Pintura: campo de observação parte II
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Pintura: campo de observação parte II
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Pintura: campo de observação parte II
Pintura: campo de observação parte II
Pintura: campo de observação parte II
Pintura: campo de observação parte II

ISABEL MADUREIRA ANDRADE | ANAMARY BILBAO | JOAQUIM BRAVO | HUGO BRAZÃO | PEDRO CALAPEZ | PEDRO CHORÃO | LUÍS PAULO COSTA | MARIA ANA VASCO COSTA | CARLOS NORONHA FEIO | JOSÉ LOUREIRO | JOÃO FERRO MARTINS | JORGE RODRIGUES | ÂNGELO DE SOUSA



Pintura: campo de observação - Parte II

 

A actual selecção surge na  sequência e com os mesmos propósitos da que foi realizada para a exposição de Junho. De facto ambas foram construídas a partir de um vasto (mas sempre necessariamente incompleto) “inquérito” realizado junto de alguma da produção artística, maioritariamente desenvolvida em Lisboa — constrangimentos de tempo não permitiram alargar, como desejado, essa prospecção a outros contextos geográficos. 


Nas artistas e nos artistas presentes encontramos uma maioria de jovens ou com carreira recente ou pouco divulgada a que se juntam algumas carreiras mais longas, capazes de fazer a ponte para contextos anteriores e mesmo alguns desses artistas históricos, que desenvolveram a sua produção a partir dos anos de 1960 e 70. Esta inflexão não nos pretende conduzir, no entanto, a qualquer tentação historicista, comparatista ou de filiação, relativamente aos artistas mais jovens. Também se deve salientar o facto de se manter a dominante abstracta no conjunto de obras apresentadas embora incorporando alguns artistas conhecidos pela vertente objectual e/ou figurativa da sua obra. 


Deve assinalar-se com veemência que também esta Parte II não quer esboçar nenhum balanço histórico ou apresentar uma qualquer conjuntura nascente: esta dupla exposição não é um manifesto, não anuncia a vaga de uma “nova abstracção” e os artistas que reúne não integram nem nunca integraram um mesmo grupo. Importa portanto ler este texto fora de toda a intenção de servir como apresentação de um projecto estético autónomo. 


Parece porém fácil constatar que há, na actualidade nacional, uma forte produção pictórica (vinda de muitos horizontes e representando muitos universos). E que essa produção, revelada nas camadas mais recentes de estudantes recém-formados ou ainda em formação, encontra na abstracção (geralmente não-geométrica) um meio de expressão privilegiado, embora, numa indiferenciação consciente que deve ser sublinhada, alguns deles usem a simetria e a monocromia como modo de “disciplinar” a imagem produzida e outros partam ou introduzam sugestões figurativas nas suas obras. 


Apesar da evidência empírica, este rico contexto de produção raramente tem sido considerado na reflexão crítica ou tomado no seu conjunto na prática curatorial. O que se pretendeu fazer aqui foi confirmar, em numerosas visitas de estúdio, a intuição dessa dominante abstracta e abstratizante e, a partir daí, construir uma exposição. 


Tendo partido para este trabalho de observação sem qualquer pré-conceito relativamente ao resultado final, foi possível constatar um conjunto de linhas fortes que confirmam todas as tensões da pintura no contexto contemporâneo: as frágeis linhas que separam a prática material e física da pintura de certos exercícios conceptuais implicados na sua realização, a contaminação entre a geometria e a liberdade do gesto e da mancha, entre essa liberdade e uma certa para-figuração, por exemplo. Nestes sucessivos campos, a(s) cor(es), a acumulação de matéria(s)ou a sua escassez, a gestualidade ou a sua negação, a ausência de “mensagem” ou a sua sublimação racionalizada, lírica ou irónica e ainda a armadilha formal e decorativa que permanentemente rodeia as obras, são os elementos em jogo.   


O processo de investigação em curso, ao permitir perceber que as sensibilidades individuais de cada artista seleccionado não se confundem entre si, não estabelecem linhas de continuidade, nem revelam influência mútua, confirma, provisoriamente, a situação histórica, sociológica e antropológica da criação visual portuguesa: trata-se de uma cena heteronímica, dificilmente referenciada a qualquer continuidade histórica, com pontuais ou ausentes ligações a contextos nacionais anteriores ou coevos, sem ligação directa também a contextos externos, ou assumindo-os sempre em modo de miscigenação, contaminação e hibridismo. Estas constatações determinaram uma montagem da exposição dominada por critérios visuais (formais/cromáticos). 


Se tivermos que começar cronologicamente, Ângelo de Sousa e Joaquim Bravo, ambos falecidos, ou Pedro Chorão fazem figura de referências históricas. Todos eles, independentemente da fortuna crítica que os rodeia, confirmam a tese de isolamento discursivo referido; e não tiveram nem têm discípulos assinalados. Como veremos, as monocromias dominantes nas obras de Luís Paulo Costa ou Maria Ana Vasco Costa ou Jorge Rodrigues, assim como articulação entre essa dominante cromática e a linha, na pintura de Isabel Madureira, pouco ou nada devem (ou desviam-se no decorrer do processo) ao trabalho pictórico de Ângelo de Sousa cujo falso monocromatismo, obsessivamente construído, funciona como luz mutante e cujo rigor de desenho surge frequentemente armadilhado por desequilíbrios irónicos. 


A articulação entre libertação do gesto e a concentração e desmultiplicação de formas a partir de uma mesma matriz, tal como se revela em Joaquim Bravo, pode ser associada a certas experiências aqui reunidas de José Loureiro. Mas é como coincidência conceptual, organizada no eixo de uma fundamental ironia e auto-derisão e em torno de uma mesma admiração libertária pelo radicalismo suprematista, que tal coincidência deve ser vista -- ou seja, nos antípodas de uma relação mestre/discípulo. 


Pedro Chorão surge também isolado nas suas persistentes experiências de depuração (por desconstrução-reconstrução formal e cromática) do real conduzindo-nos a uma dimensão eminentemente evocativa em que cada pintura funciona não apenas como adivinhada paisagem, mas como uma secreta memória individual. Da liberdade compositiva da obra que dele escolhemos só Pedro Calapez ou a experiência espacial de Hugo Brazão se podem aproximar. No entanto, Pedro Calapez não pretende evocar qualquer realidade exterior e a sua pintura deriva apenas de uma energia propriamente cromática e textural — cores-manchas capazes de estabelecer a sua própria ordem-desordem e até de se soltarem da tela para se recortarem no espaço como planos escultóricos autónomos. É essa experiência de liberdade formal e espacial que Hugo Brazão explicita numa pintura onde os sinais do real (paisagem, corpo, palavra, espaço) que habitualmente usa se apagam face ao poder cenográfico da cor-mancha. 


Se falamos de ordem a pintura de Isabel Madureira e os “desenhos” de Maria Ana Vasco Costa ou de Jorge Rodrigues podem funcionar como fronteiras. O mesmo para Luís Paulo Costa, Carlos Noronha Feio, AnaMary Bilbao ou João Ferro Martins, se falarmos de figura-objecto. 


Sobre (ou dentro de) fundos monocromáticos de alguma vibração (apesar da surdez mineral da cor) as linhas desenhadas por Isabel Madureira criam circunvoluções de clara indicação coreográfica que, na sua dupla simetria, garantem um movimento de dansa mas também a manutenção de um contínuo equilíbrio da imagem. Esse valor de estabilidade é questionado pela dimensão atmosférica abstracta do grande desenho de Ana Maria Vasco Costa cuja vibração provoca uma deslocação irregular do olhar e do corpo ou na tela e desenhos de Jorge Rodrigues, onde a alteração da cor-luz parece poder ter leituras temporais incorporando a passagem do tempo na dimensão paisagística (de céus instáveis) sugerida. Por outro lado, as peças de chão de Maria Ana Vasco Costa de vocação lírica conscientemente remetem-nos para a memória telúrica dos Açores, de onde é natural, transformando em brilho cerâmico a paisagem vulcânica das ilhas. 


O que parecem ser em Luís Paulo Costa ou Carlos Noronha Feio, AnaMary Bilbao ou Ferro Martins discursos abstractos têm, afinal, raízes no real. Ampliando cada imagem até uma dimensão que acaba por eliminar todos os pontos de referência exterior e identificação da imagem original Luís Paulo Costa joga depois com os códigos de realização e apresentação usados pela abstacção e conceptualismo histórico oferendo as suas obras abstractas como armadilha para olhares dominados pelos códigos pré-concebidos da cultura modernista. Já Noronha Feio vai elidir, por desconstrução e apagamento progressivo, as obras profusamente figurativas e politicamente empenhadas e denunciadoras que realizou em série anteriores. Nos fundos, resta uma informação cromática ou matérica escassa, memória daquelas composições sobrecarregadas de informação; sobre elas os néons funcionam como rastos perenes de gestos efémeros, fontes de cor e construtoras de novos sentidos para as imagens perdidas. No conjunto, AnaMary Bilbao é quem mantém mais aberta a referência figurativa, numa dominante paisagística e espacial. No entanto, trata-se de um real em ruína: as suas imagens fotográficas são sujeitas a processos químicos, involuntários ou induzidos, de degradação e desagregação, de tal modo que as obras mimam tecnicamente processos pictóricos e se aproximam poeticamente de processos evocativos — porém, nos antípodas da memória nostálgica de Pedro Chorão, das referências objectivas de Luís Paulo Costa ou políticas de Feio, AnaMary Bilbao abre campo a uma memória desesperada. Finalmente, João Ferro Martins usa regularmente a música como campo de experimentação e trabalha, essencialmente, com a agregação heteróclita de objectos em assemblages de virtude irónica e crítica face ao fetichismo tecnológico e ao conformismo do quotidiano. Abstractiza essas referências apresentando dois postes totémicos metálicos decorados com círculos da dimensão de LPs (já usados directamente em muitas outras peças) pintados com tintas-esmalte da indústria automóvel. 


 O “Campo de Observação” trabalhado nas duas etapas desta exposição, a sua riqueza e diversidade, o seu peso e profundidade, resultaram na apresentação de um vasto espectro de linguagens (mais contraditórias que complementares) que vão da pureza dos elementos à sua sobrecarga, do lirismo ao comentário irónico, do afastamento abstracto à evocação figurativa ou narrativa e que, abrindo múltiplas vias de trabalho, justificam a incompletude sugerida pelo título de ambas as exposições anunciando a necessidade de continuar a tarefa de prospecção que aqui se iniciou. 



Paris, 8 de Dezembro de 2021

João Pinharanda 

 

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