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Matt Mullican 2009
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Dentro da caverna de Matt Mullican

« The world is a good term.(…)

If it’s not in my mind, then where is it?» 1


Matt Mullican




Estranhos prisioneiros é como Platão define os homens que se encontram na caverna descrita no livro VII da República. Estranhos prisioneiros perante um quadro estranho, é muitas vezes como nos sentimos a olhar para as obras de Matt Mullican. O cenário deste estranho quadro, a parede da caverna, é o local de projecção das imagens do mundo, oferecendo a possibilidade da entrada num mundo virtual. A parede da caverna é, portanto, um lugar onde a magia acontece e o projector/construtor das imagens (o artista) é o mágico. Já na pré-história, o pintor que assumia a função de xamã ou feiticeiro da tribo, em transe, colocava as mãos na parede desenhada como se, por um lado, atribuísse a autoria (assinatura) àquela imagem e, por outro, tentasse entrar para dentro da mesma para poder capturar no simbólico o animal de caça que era pretendido na vida real. Desta maneira, este feiticeiro torna concreto o abstracto do imaginário, dando-lhe forma.


O estado de transe não é estranho a M.Mullican. Desde o início que o incorpora no seu modus operandi, através de performances em que se submete ao risco de perder a consciência. Ou melhor, dela abdica para poder oferecer (a si e ao espectador) um evento único e mágico. Toda a arte é simultaneamente, neste aspecto, uma forma de sacrifício e uma oferenda do dom.


As imagens que este artista/xamã cria são arquétipos, figuras entre o geral e o particular, que se aproximam da ideia do objecto e não do objecto em si. Não são meras aparências mas estão próximas de uma qualquer essência, dentro de um entendimento conceptual da arte. Por serem arquétipos, são comunicantes e partilháveis, permitindo a M.Mullican deles apropriar-se e permitir ao espectador que faça o mesmo. Este processo de apropriação, de escolha das imagens do enorme livro que é o mundo, é a forma que o artista encontra para a construção de um universo muito próprio (à semelhança de Platão com a República que se torna o modelo de uma cidade e sociedade ideais). Este mundo de M.Mullican (The Mullican World que é o título de um cartaz realizado pelo artista nos anos 70) é composto de uma arquitectura e mobiliário específico (Untitled (Database), 1994), de mapas ou cartas devedoras de uma psicogeografia (Untitled (City Chart: Elements around World Unframed), 1992 e Untitled (City Chart with Paris Opera House), 1992), de imagens do passado (real ou fictício? - Untitled (Bulletin Board A), 1974-2007), de uma cosmologia (Cosmology Studies) e ainda de uma escrita que o acompanha. Até tem um habitante, Glen, que embora não se encontre nesta exposição, está sempre presente. É o seu alter-ego de uma espécie de Second Life.


Ao observarmos as suas obras, imediatamente nos lembramos dos surrealistas que, à semelhança de M.Mullican abdicavam do estado de consciência para penetrar num universo que transpunham em fragmentos e que combinava uma escrita automática, resultante do inconsciente, com imagens que oscilavam entre o real e o ficcional. O nosso imaginário funciona assim, livre dos constrangimentos formais que o real nos tenta impor.


Subjectivar o mundo, personificá-lo e concretizá-lo parece ser, assim, a verdadeira missão de M.Mullican. Numa estratégia muito contemporânea de mapping (mapeamento pessoal), faz-nos perceber que o mundo não é unitário e indivisível mas que é composto de fragmentos que podemos recombinar à nossa vontade, dando a máxima importância a pormenores ou detalhes (Details from na Imaginary Universe ou Details from a Fictional Reality como é o título de duas das sua séries dos anos 70).


No início do séc. XX, a teoria da incerteza na física, o cubismo na pintura, a flanêrie na poesia de Baudelaire, e as derivas situacionistas pela cidade (entre vários exemplos) demonstram como o sujeito, fragmentado e descentrado, se apercebe finalmente que em vez de ser um dado a priori é um ser criador, de si mesmo e da realidade em torno. Um nómada, vagabundo do real, que joga e brinca com imenso puzzle de infinitas combinações. O sujeito torna-se, assim, um arqueólogo que escava a realidade das imagens do mundo, um arquivista que as arruma de acordo com uma ordem pessoal, um coleccionador que as reinventa e um comissário que as expõe. Ou ainda, como Dédalo, o arquitecto, que constrói o labirinto e que se propõe a sobrevoá-lo. Entre o micro e o macrocosmos.


Todo o acto de leitura é uma personificação singular do texto disponível à nossa frente (talvez por isso o livro seja o primeiro mundo virtual de que dispomos). Na sua caverna, M.Mullican, o estranho prisioneiro como nós, elabora uma arquitectura do mundo e dele faz texto, apropriando-se das maravilhosas sombras que são projectadas na parede. Nietzsche afirma que não existe, como Platão pretendia, nenhuma saída para a caverna que não seja outra caverna, significando com isto que estamos sempre no mundo das ilusões, como se tivéssemos, de acordo com os orientais, um véu de Maya em frente ao nosso olhar. Se este fosse retirado, perdíamos a capacidade de fantasiar e a arte passaria a ser apenas um descritivo do mundo envolvente. M.Mullican ensina-nos, num momento em que a arte se perdeu dessa transcendência que a caracterizava, que é possível resgatar o seu reduto positivo nesta abrangente ilusão simulacral em que todos nos encontramos. Como afirma Shakespeare, «Somos feitos da mesma matéria que os nossos sonhos» e esta é a verdade derradeira do mundo inventado por M.Mullican. Não estamos prisioneiros da caverna, simplesmente não quisemos sair de lá.


Ao longo do seu percurso artístico destaca-se a exposição no The Drawing Center, Nova Iorque, a performance “Matt Mullican Under Hypnosis“ no Tate Museum, as participações na 28ª Bienal de São Paulo e na Documenta 7, 9 e X, Kassel.



Carla de Utra Mendes




1 Mullican, Matt in AAVV, Matt Mullican – Model Architecture, Gemany: Hatje Cantz, 2006, p.19


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