Neo-Pós-Neo
6

 

Julho

 

2023
30

 

Setembro

 

2023
Mariana Gomes - Neo-Pós-Neo
Mariana Gomes - Neo-Pós-Neo
Mariana Gomes - Neo-Pós-Neo
Mariana Gomes - Neo-Pós-Neo
Mariana Gomes - Neo-Pós-Neo
Mariana Gomes - Neo-Pós-Neo

© Vasco Stocker Vilhena


Neo-Pós-Neo. O som da proposição ou, melhor dito, da preposição é já todo um programa (de trabalho e de exegese). Logo de entrada, desconfiamos ao que vamos: um diálogo enviesado, iconoclasta, irónico, generoso, em modo de autofagia com a pintura, incluindo a que é produzida pela própria artista.


Como quase sempre, mas agora de forma mais radical (na declinação mais profunda e ampla da palavra, enquanto gesto violento, corajoso, que se relaciona com o fundamento ou que se afasta do que é tradicional), Mariana Gomes repensa, refaz, reutiliza as suas pinturas, abrindo um novo território em que se propôs guardar marcas, vestígios e fragmentos do trabalho anterior. Uma revisão (no sentido de olhar ou de conceber outra vez) do trabalho passado.


É preciso compreender que a sentença é, em terminologia kierkegaardiana, performativa, i.e. vinculativa: a artista pegou em telas já pintadas e apresentadas (algumas delas expostas na galeria, em 2019) e pintou sobre elas, a partir delas, com elas. Como se elaborasse um diálogo com ela mesma, ou com a outra que necessariamente, fatalmente, no acto de pintar, é.


Talvez a pintura seja sempre, em menor ou maior grau, uma prática vertiginosa e abissal de alteridade, de desmultiplicação da personalidade, uma disjunção entre corpo, cérebro e anima. Com distanciamento e sem distanciamento, à vez, em equilíbrio precário entre construção e destruição, entre ir até onde for conveniente ou ir longe de mais. De tudo pôr em causa, em desequilíbrio, em pedaços — até a sacrossanta noção de autoria.


Há muitos assuntos e modulações na pintura de Mariana Gomes, como temos vindo a descobrir ao longo do seu percurso. Há muitas imagens, também. Esse é o lado generoso, curioso, guloso, da sua pintura — sorver, para depois regurgitar, tudo o que está à volta.


Um dos assuntos é a pintura, ela mesma. Por isso, há muitos diálogos, conversas sempre inacabadas com tantos pintores de tantos tempos. Outro dos assuntos é a cultura visual contemporânea, da popular à erudita (se a dicotomia ainda for operativa), sobretudo no caso do cinema e da fotografia — quero dizer que na pintura de Mariana Gomes uma grelha pode provir da pintura modernista ou evocar uma grelha de assar sardinhas. Mas o que perpassa, e é verdadeiramente relevante, o que mais interessa à pintora são aqueles momentos na história em que a dúvida surge e as certezas (as formas) se desintegram: chamemos-lhe “maneirismos”.


A primeira constatação acerca dos novos trabalhos é que estamos perante pinturas-acontecimento e já não pinturas-emblema, em que os elementos já não se demarcam tão claramente uns dos outros, em que já não temos fundos lisos ou neutros, em que tudo parece coexistir, em que as formas (informes na maior parte dos casos) surgem de dentro umas das outras. “Uma espécie de abstracção orgânica em equilíbrio precário”.


A segunda constatação decorre da primeira. Estas pinturas não procuram um nome, procuram corpos novos, novas associações, outras relações, outros géneros, outras formas para além da forma. São metamórficas, estão em transformação, em processo. Neste sentido, são de agora, do nosso tempo, parecendo querer responder a perguntas sobre o futuro que ainda não sabemos formular rigorosamente.


São, talvez, um improvável cruzamento entre Cronenberg, Picabia e Bonnard: são viscerais e escatológicas, mas também luminosas e jubilosas. São estranhas. São entranhas — uma pintura intestinal. E é nesse estranhamento feito de densidades e opacidades, nessas fissuras, nesse borbulhar de matéria, que deixam entrever micro-acontecimentos pictóricos, que fazem adivinhar histórias intemporais por contar: histórias de transformação, histórias de metamorfoses.


Da visita ao atelier da artista retive uma frase, tão misteriosa quanto certeira: "o corpo da pintura vem do corpo da pintora". Se deixarmos cair a adjectivação, as referências a pintores ou à história da pintura, as considerações formais, se tudo sobre esta pintura tivéssemos de resumir numa frase, seria essa.



__Nuno Faria

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