O trabalho de João Paulo Feliciano é marcado por uma atitude continuadamente experimental, no sentido em que tudo o que se encontra à sua volta é passível de ser integrado e convertido em matéria transformável. Podemos referir na sua produção imagens, objetos, pinturas, esculturas, instalações sonoras, composições musicais, escrita de textos, letras para músicas ou outras ações com uma forte componente performativa, que contribuem para localizar a sua prática artística como autor que se autonomiza de uma possível catalogação determinada pelos meios de produção, ou por uma eventual linhagem estilística.
A sua filiação, como artista, tanto nas artes visuais como na música, tem um recorte atípico e não decorre de uma evolução e formação académica em qualquer uma destas áreas, mas de uma atenção compulsiva – e de uma partilha autodidata – com diferentes autores e formas de expressão visual e sonora.
Assim, Feliciano é um criador independente, lato sensu, no sentido em que não se confina a um género artístico determinado ou à hegemonia regular e tradicionalmente evolutiva de um percurso curricular alinhado com as regras do mercado da arte e do sistema de relações e protocolos que este impõe e distribui.
Esta exposição, sob o título Monkey Business, revela uma atitude política e irónica que questiona, e recoloca, o estatuto do artista e da galeria no panorama da arte contemporânea. João Paulo Feliciano, não cede à tentação de usar o discurso político como expressão de uma ação ativista ou interventiva, antes expõe o seu processo de trabalho usando o espaço da galeria como uma espécie de extensão da sua atividade quotidiana enquanto artista e produtor cultural. A montagem da exposição não é construída como um sistema de relações entre obras, mas como um discurso que transita sem sobressaltos entre a exposição de obras recentes e apropriação desse espaço como se deslocasse para a galeria parte do conteúdo imaginário do seu atelier/estúdio. Como se a exposição fosse só mais um momento na vida quotidiana do artista.
A reconversão e recontextualização de espaços, meios e objetos diferenciados – característica marcante da obra de JPF – está profusamente presente na sua produção. Uma escultura composta por dois órgãos eléctricos iguais, desativados, costas com costas e juntos por um plano espelhado, desestabiliza o plano do observador do ponto de vista da perceção e, simultaneamente, torpedeia o processo de reconhecimento a que somos sujeitos pela apreensão semântica inscrita no título da obra, A Pair of Pair.ies.
Em duas outras obras, imagens impressas sobre tela de um empilhamento de teclados (naturezas mortas?), Funky Junk I e Funky Junk II, são deixadas ao acaso no espaço de trabalho, sem cuidado, maltratadas mesmo, como objetos sem valor, para posteriormente serem recuperadas e mostradas como parte de um quotidiano em que a produção da obra de arte é um processo impermanente e apenas dependente da decisão do artista.
Esta atitude, ou este modo de fazer, desenvolve-se no espaço da galeria com a presença de objetos de diferentes tipologias e valores culturais, merchandising (proveniente da sua atividade musical), discos, catálogos e livros produzidos em diversos momentos do seu trabalho enquanto músico e artista. A última sala da galeria cria uma rutura na exposição dado que ali não se encontra nenhuma obra de arte, mas um conjunto de objetos provenientes de fontes diversas e que são postos à venda de forma despudorada, como se a galeria, e a exposição, incorporassem uma venda fortuita de objetos pessoais por um valor mínimo de aquisição. Como um flea market, ou uma venda de garagem, que de forma irónica, e lúdica, questiona no espaço da galeria o estatuto do mercado de arte e os seus consumidores.
Esta intervenção que irrompe na exposição reenvia-nos para a necessidade que o artista tem de construir e incorporar no seu processo de trabalho ações e estratégias desvinculadas da hierarquização do objeto artístico enquanto valor e cotação como bem transacionável.
Monkey Business é como um índice remissivo do trabalho de João Paulo Feliciano no sentido em que nos permite encontrar os indícios e os sinais das suas ações e do desenvolvimento do seu processo artístico, cumulativo, cinético, transdisciplinar e transgressivo. Podemos recuperar este olhar em aberto sobre a sua obra regressando duas décadas depois ao título de uma das suas primeiras obras, Mind Your Own Business, um vídeo criado no início dos anos noventa, em cuja projeção o espetador era confrontado com a impossibilidade de captar as imagens que se sucedem a uma velocidade vertiginosa. Atitude irónica do quotidiano de um autor que age de acordo com a emergência dos estímulos que o interessam e que o impelem a refletir sobre a prática artística, enquanto modo de vida.
João Silvério