Each man kills the thing he loves
Afirmou-o Oscar Wilde; exibiu-o o título do primeiro álbum a solo de Gavin Friday, vocalista dos Virgin Prunes; cantarolou-o displicentemente Jeanne Moreau no filme Querelle, de Rainer W. Fassbinder.
Naquela tarde de Outubro, no café do costume, Mr. Cold bebia confortavelmente o seu bourbon e fumava o quarto lucky strike do dia. Estava tranquilo. Tinha acabado de matar.
Estatura média, cabelo alinhado e fato escuro, impecável. Um olhar menos atento, poderia fazer crer que se tratava de um advogado, ou de um solicitador, por exemplo. Mas um olhar mais detalhado permitia ver a pasta, da qual brotava uma tradução inglesa de Les fleurs du mal (1857), de Baudelaire, o inventor da modernidade e do amor, que, segundo o próprio, seria “a ocupação natural dos ociosos”.
O livro causara escândalo aquando da sua edição, e iniciaria o movimento simbolista na literatura, na sua exploração do inconsciente, afastando-se do naturalismo e do realismo. Vivia-se o contexto de emancipação da arte moderna. Baudelaire adiantava num dos prefácios que compôs para a obra que a sua tarefa era “extrair a beleza do Mal”. Num outro prefácio ao mesmo texto, afirmava que lhe “atribuíram todos os crimes que narrava”. Certamente.
Mr. Cold recordava-se do rosto da rapariga na praia. Bonita e frágil. Combinação francamente erótica, a seu ver. E fatal, claro está. Na mesa de carvalho escurecido, respondia, enfadado, ao inquérito remetido pela editora sobre a escrita e o simbolismo – o que quer que isso fosse. Era altura de, por entre mais um cigarro, pensar na próxima narrativa.
Lá fora, o dia dava lugar à noite. Aquele momento confuso de todas as possibilidades.
Isabel Nogueira