Illusion. Mirrors and blue smoke, beautiful blue smoke rolling over the surface of highly polished mirrors, first a thin veil of blue smoke,then a thick cloud that suddenly dissolves into wisps of blue smoke, the mirrors catching it all, bouncing it back and forth. 1
Jimmy Breslin
I don't think when I make love.
Brigitte Bardot
Este é o primeiro episódio de uma narrativa em três actos a ser contada na Cristina Guerra Contemporary Art, BES Arte e Finança e Appleton Square.
Nesta exposição a trama desenvolve-se em torno de uma expressão muito conhecida - Smoke and Mirrors - inspirada nas ilusões que os mágicos executam e que é usada, metaforicamente, para descrever, entre outras, a decepção, a fraude e a superficialidade.
Aqui, relaciona-se com os temas centrais de João Louro, nomeadamente o glamour da sociedade contemporânea e, consequentemente, a sua abordagem crítica.
Todas as obras desta exposição, ao mesmo tempo que são um reflexo de questões importantes do trabalho do artista são, simultaneamente, concorrentes para o sentido aqui enunciado, construindo uma estrutura destinada à ilusão e à imersão. A tradição destes espaços é longa e, hoje em dia, continuam a discutir-se os seus efeitos. Associado à arte, remonta até às galerias de Pompeia onde se encontravam pintados nas paredes os ritos báquicos que se pensavam induzir o observador/participante numa embriaguez de sentidos e a um torpor que afectava a capacidade racional, para benefício no deleite dos prazeres. Na filosofia é sobejamente conhecida a Alegoria da Caverna de Platão, na qual os homens estavam iludidos pelas sombras que acreditavam ser a realidade, imersos na ignorância de um dispositivo criado, justamente, para esse efeito e o qual alguns teóricos têm associado a uma sala de cinema.
Quer a arte, o amor, o cinema, a literatura, as drogas ou o mundo da moda (referências fundamentais nesta exposição) participam nesse enorme universo , feito para 'iludir' a realidade, propondo um outro mundo, no qual o sujeito se pode imergir. Este efeito narcótico da imersão pressupõe uma total entrega do corpo, dos sentidos e da mente, desfrutando dos maravilhosos efeitos do êxtase, poder, fama ou beleza.
É este um dos sentidos do convite de João Louro e uma das razões para a inclusão da obra exposta referente à “molécula do amor”: o MDMA (a sigla para metilenodioximetanfetamina). Este trabalho está, também, relacionado com outro, no qual o jogo de palavras é retirado do título do filme de Roger Vadim, Et Dieu Créa la Femme (1956), protagonizado por Brigitte Bardot, uma das musas de Louro e a personificação da sensualidade. Já Baudelaire afirmava acerca das mulheres em Paraísos Artificiais: “A espíritos néscios parecerá singular, e mesmo impertinente, que um quadro das volúpias artificiais seja dedicado a uma mulher, a mais comum fonte das naturais volúpias. (…) A mulher é o ser que projecta a maior sombra e a maior luz dos nossos sonhos. A mulher é fatalmente sugestiva; vive de uma outra vida além da sua própria: vive espiritualmente nas imaginações que frequenta e fecunda”. Bardot protagoniza, igualmente, a fugacidade e efemeridade da fama e da beleza, temas importantes, à contemporaneidade, reflectidos, expressivamente, num dos seus elementos fundamentais: a Moda… o tema crucial desta mostra. Live fast, die young.
O espelho tem, neste campo, muito a dizer. Objecto de Narciso, de contemplação eterna da beleza egocêntrica e que faz dele, também, um objecto de morte e captura. Concentrarmo-nos apenas no nosso reflexo é ignorar o mundo à volta, o que nos pode levar à “porta do diabo”. No entanto, como nas Blind Images de Louro, esta superfície pode ser o lugar do vazio ou, alternadamente, o lugar de todas as possibilidades, ao tentarmos perceber o seu uso, utilizando o nosso banco de imagens. Basta, para tal, possuirmos a curiosidade de indagar e pesquisar sobre o seu enunciado.
Os pecados capitais habitam, também, este universo. Esta pequena caverna das vaidades, é povoada (tal como nas salas de espelhos das feiras populares que aumentam, diminuem ou deformam os reflexos) não só por grandes obras mas, também, por obras pequenas e íntimas, cujas características induzem a outro tipo de reflexão.
Na verdade, tudo isto se trata de uma grande viagem ao Eu, apoiado nas grandes aparências do mundo. Neste sentido, este espaço é, igualmente, uma sala de jogos: entre associações de frases e palavras, entre significados, entre estados opostos. Entre o fascínio e a repulsa.
Existe uma outra alternativa dentro desta galeria de espelhos e ilusões sem ser a imersão numa perda sem retorno ou a diversão despreocupada que consiste no retorno à consciência, capacidade crítica necessária a todos os “habitantes” da contemporaneidade.
Qualquer uma destas hipóteses relaciona-se com o modus operandi do artista: dar frames para que o observador neles se interrogue, descubra e faça, das imagens que (não) vê as suas próprias, interpretando-as. Como afirma Baudelaire: “Diz-nos o bom senso que as coisas da terra pouca existência têm, e que a verdadeira realidade está apenas nos sonhos. Para digerir a felicidade natural, assim como a artificial, é preciso primeiro ter a coragem de a engolir (…)”. 2
Assim sendo, nesta galeria de espelhos cada um vê o seu próprio reflexo, imerso (ou não) nas ilusões… as que criamos ou que para nós são criadas.
Que se sente? Que se vê? Coisas maravilhosas, não é verdade? Espectáculos extraordinários? É belo? É terrível? É perigoso? (…) Imaginam a embriaguez (…) como um país prodigioso, um vasto teatro de prestidigitação e de escamoteação, onde tudo é miraculoso e imprevisto.
Carla de Utra Mendes
1 Breslin, Jimmy, How the Good Guys Finally Won, Notes from an Impeachment Summer, 1975, pp. 33-34.
2 Baudelaire, Charles, Os Paraísos Artificiais, Lisboa, Estampa, 1971, p.9