Graça Pereira Coutinho (n. 1949, Lisboa, Portugal) iniciou a sua viagem académica em meados dos anos 60 no curso de Escultura do então chamado Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Desiludida com o academismo extremo daquela instituição e com a situação política do país, partiu para Inglaterra, onde mais tarde prosseguiria os seus estudos na Saint Martin's School of Arts em Londres, a cidade onde vive e trabalha desde os anos 70.
Tendo-se inicialmente inscrito no curso de Escultura (departamento pelo qual a instituição era mais conhecida), mais tarde, trocaria por uma pós-graduação em Pintura, o que lhe permitia maior liberdade para experimentar e desenvolver as suas primeiras pesquisas conceptuais sobre o que mais tarde se tornaria o corpo de toda a sua futura prática artística.
Sobre esta prática, ela referiria mais tarde, utilizando a primeira pessoa: "A paisagem relaciona-se com o meu corpo, o meu corpo relaciona-se com lugares, experiências e sentimentos". Esta frase, retirada do catálogo da Exposição John Moores de 1987 (uma exposição de pintura então prestigiada), parece sintetizar todas as influências produtivas recorrentes na obra da autora: a relação com a paisagem, as marcas humanas sobre ela, o significado metafísico do acto performativo, as viagens, a narrativa pessoal... Contudo, a sua abordagem à paisagem nada tem a ver com idilios pastoris - uma referência estruturante da tradição paisagística inglesa - marcada por noções de identidade nacional e nostalgia; na obra de Graça Pereira Coutinho, a paisagem revela-se através de uma visão íntima e particular: no cumprimento da relação com o seu próprio corpo e com o mundo natural, na atenção centrada no genius loci, no espírito do lugar (daí a importância das viagens, que ela faz frequentemente), na revelação de "outros caminhos, outros mundos" - um caminho intertextual que desafia qualquer explicação pragmática ou racional, onde o acto de consciência pode ser fundado.
Ao alargar e ampliar estas preocupações construídas ao longo de uma carreira internacional de quase trinta anos, Graça Pereira Coutinho prepara actualmente a sua próxima exposição individual inaugurada a 2 de Outubro na galeria Cristina Guerra - Arte Contemporânea. Com o título '4 passos, 7 X', o planeamento da exposição é definido após uma selecção do material gravado no Parque de Yellowstone (o maior e mais antigo parque público dos EUA, sendo alargado aos estados de Wyoming, Montana e Idaho). Longe de ser uma opção ingénua, a eleição deste Parque Nacional para as filmagens de vídeo confirma o modus operandi do artista: de um lado na ligação directa à natureza, do outro pelo próprio peso simbólico do parque, sendo o resultado da actividade de um vulcano, os restos de uma outra época e testemunha solene da história da Terra (incluindo a humanidade), que acabará por regressar à sua actividade após longos séculos de sono. Esta expectativa de uma catástrofe prefigurada carrega em si a marca simbólica de um fim próximo, de um "Armaggedon" natural que se encontra com a corrupção do ambiente feita pelo homem.
Partindo da tríade Corpo (do autor)/ Paisagem / Morte como reflexão sobre a fragilidade da condição humana, oposta ao meio ambiente natural e à ansiedade de uma catástrofe prefigurada, Graça Pereira Coutinho irá apresentar, na extensão deste programa prevista para a Sala do Veado do Museu Nacional de História Natural da Faculdade de Ciências de Lisboa (que está relacionado, no seu tema, com o parque de Yellowstone), 12 novos vídeos sem título, ambientados numa instalação vídeo, projectados em monitores de TV (uma simulação dos dispositivos expositivos deste tipo de museu). Formalmente, um perfil da Terra (o planeta) é delineado como oposto à localização presencial do sujeito, à escala da paisagem. Um poema visual do autor, qualificando a Terra, completa a instalação.
Na galeria, ainda em vídeo agora apresentado no ecrã de plasma, a obra 'Deserto' (2003) estende formalmente o mesmo processo de edição, sobrepondo várias personagens e notas sobre o ecossistema sobre a paisagem deserta que é apresentada. Na obra após a qual a exposição é intitulada, '4 passos, 7 X' (2003), 7 fotografias de formato médio a cores (produzidas de acordo com o processo mencionado no título: 4 passos, 1 fotografia, 7 vezes) revelam um lago 'vivo' através de um processo performativo (a acção de caminhar). Uma impressão fotográfica com o título da obra junta-se a elas.
Uma outra instalação é construída após uma fotografia de grande tamanho, dividida e fixada em 10 caixas de luz, organizadas como em simular um ramo de flores, cujos cabos (os 'caules' do ramo) são amarrados por um trapo, numa referência directa aos materiais naturais recorrentes na obra do artista. Na parede oposta, funcionando como espelho (defesa) e como confronto (antagonismo), uma instalação gráfica introduz notas escritas na paisagem que é apresentada ao espectador, confirmando o interesse do autor nos opostos.
Seguindo a mesma tipologia, outra fotografia a cores de grande dimensão revela novamente a paisagem do Parque, aqui acompanhada de uma reflexão pessoal do autor sobre a paisagem como metáfora biográfica.
Finalmente, nesta nova série de fotografias, Graça Pereira Coutinho apresenta um último conjunto de 6 fotografias às quais sobrepõe a emoção das palavras que estão directamente relacionadas com o conceito de condução do projecto expositivo (ou seja, Ansiedade, Desejo, Anseio).
Será também possível ver uma nova série de desenhos (composta por 13 pranchas) datada de 2003 que continua a explorar o conteúdo e o processo de exposições anteriores, tais como The Walk ou Regresso a Lisboa. Assim, os desenhos, suportes mistos em papel, produzidos em diferentes escalas conduzem uma vez mais - como um dos seus títulos (Caminhos Delicados) indica - ao acto performativo de caminhar, o eixo transversal de toda a exposição, tanto ao nível do objecto (documental) como ao nível conceptual que funciona como metáfora de um caminhar para a redenção ou como narrativa pessoal do processo de crescimento e da construção da memória, um acto efémero sempre em reconstrução.
Trabalhando como uma dobradiça entre o trabalho anterior e a nova produção, ligando-os tanto informal (material, pigmento, areia e gaze) como em termos simbólicos (a ligação à terra, o registo da passagem do corpo, e a marca do gesto), o novo conjunto de desenhos funciona como um palimpsesto de acumulação de experiência e como um breviário dos elementos naturais recolhidos nas viagens do artista. Formalmente, o que nos é permitido observar é, por um lado, a oposição entre o estrito presente registo no seu suporte (desenhos de arquitectura técnica) e a informalidade/simbolismo do desenho e da caligrafia que nele se inscrevem.
HM.