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GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
11

 

Setembro

 

2014
11

 

Outubro

 

2014
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited
Filipa César - GOLDEN VISA or the disposing of the discredited

“Golden Visa” é o nome dado a um convite do governo Português dirigido a não-europeus ricos para facilitar a obtenção de autorização de residência, assim como um conjunto de privilégios fiscais, sempre que um requerente planeie investir mais de meio milhão de Euros no país. Simultaneamente, o governo convidou oficialmente os cidadãos Portugueses mais pobres e desempregados a emigrar. Dois convites, uma entrada. 


Com GOLDEN VISA or the disposing of the discredited a peça como entrada da exposição na Cristina Guerra Contemporary Art, César chama a atenção para o facto de o visa funcionar como um íman, um trânsito, uma passagem, uma autorização e um privilégio que implica necessariamente um inverso, a política de migração dentro das fronteiras de uma Europa fechada num contexto de crise económica. Aqui, golden (dourado) é também referente aos aspectos materiais e imateriais do sujeito principal das peças apresentadas na exposição – o solo.

 

Assim, a eliminação dos desacreditados pode ser vista como um projecto Europeu com várias frentes, rica em parcerias público/privadas: envolve deixar afogar os imigrantes Africanos no mar Mediterrâneo, criar condições de vida insuportáveis para populações consideradas indesejáveis, como os Roma, empurrar para o suicídio um número crescente de empregados não suficientemente flexíveis, apagar dos registos oficiais todos os vestígios de uma grande parte dos desempregados, e, em países como a Grécia, Portugal e Irlanda, encorajar mais e mais jovens a emigrar. 

*Michel Feher, 2014 


Golden Visa abrange dois corpos de trabalho inter-relacionados, variando entre colagens, material de pesquisa, práticas de cinema, objectos e uma palestra de abertura. 


O filme-ensaio Mined Soil conduz-nos através de uma revisitação do trabalho do agrónomo Guineense Amílcar Cabral, do estudo sobre a erosão do solo na região do Alentejo, em Portugal, no fim da década de 40, até ao seu envolvimento como um dos líderes do Movimento de Libertação Africano. Esta linha de pensamento é entrelaçada com documentação actual sobre uma operação experimental de mineração de ouro conduzida por uma empresa Canadiana, situada na mesma região de Portugal que foi estudada por Amílcar Cabral. Este ensaio explora passadas e presentes definições de solo como um repositório de memória, vestígio, exploração, crise, arsenal, tesouro e palimpsesto. Na exposição, o filme-ensaio é apresentado numa instalação espacial cuja estrutura formal é uma plataforma física que cita o mapeamento de uma das várias áreas licenciadas para a exploração de ouro em Portugal. A instalação continua com minas simuladas, produzidas à mão, modeladas à imagem das que já foram encontradas em campos minados. 


Os trabalhos em papel Operations são extraídos de material de pesquisa, como desenhos técnicos do exército Português sobre a composição de minas terrestres — e o seu mapeamento estratégico no campo de batalha — colocadas pela guerrilha Guineense durante os 11 anos da guerra de libertação, assim como fotografias tiradas na Guiné-Bissau durante a pesquisa de César, e também arquivos militares. As colagens são referentes a estruturas vivas cristalinas e a operações geométricas, reflectindo uma abordagem multifacetada de temas e narrativas “fixas”. 


De Golden Visa, a peça na parede de entrada, passando pela instalação e filme Mined Soil, e a série de trabalhos em papel Operations, César utiliza vários conceitos de solo para revelar a possibilidade de desafiar narrativas históricas, o solo como metáfora operacional que nos mostra como os recursos naturais estão integrados num conjunto complexo de condições geopolíticas que informam a vida contemporânea. 


Através da combinação de material de arquivo reactivado e material recentemente filmado, César continua o seu trabalho meticuloso, uma aliança inquieta entre subjectividades, relatos, documentário e cinema ensaio. 



ALL THE MEMORY OF THE SOIL 

Olivier Marboeuf 


O filme-ensaio Mined Soil abre com uma cena fúnebre. Sacos plásticos com amostras de terra pousados no chão, uns ao lado dos outros, como corpos anónimos esperando ser registados, abandonados numa sucessão, rigorosamente numerados. É a cena de um crime, um ordenamento dos mortos e do seu lúgubre lugar de repouso, uma ordenação de relatos. No entanto, este meticuloso rito funerário não é suficiente para silenciar estes relatos, ou para os colocar definitivamente num passado desaparecido. Algum dia reemergirão. Serão trazidos à luz por erosão ou descoberta acidental; encontrarão de novo as suas vozes discordantes. 


Em Mined Soil, é a terra, o solo, que é classificado — e conta uma história que tem até agora sido silenciada em favorecimento de um novo episódio de exploração. Como no filme de Alain Resnais, Toute la mémoire du monde ¬ que a artista cita neste filme-ensaio numa perspectiva crítica — no filme de Filipa César o corpo inanimado do arquivo cedo cede lugar a um microfone suspenso sobre campos. Esta lenta cerimónia coloca imediatamente uma questão central a todo o trabalho da artista: Quem poderá ser o narrador de uma História contemporânea descolonizada? Que corpo poderá tornar-se num terreno onde seja possível ler e experimentar um relato despojado das suas hierarquias passadas? Necessitamos da invenção de uma operação muito específica para um “devenir parlant du monde” (ou “devir falado do mundo”). Não é suficiente encontrar substitutos aquilo que ontem era prolixo e poderoso, aqueles cujas vozes ainda não ouvimos, para herdar no presente uma nova forma de vida e pensamento. Não depende tanto de quem fala como da forma como todas as formas de conhecimento são orquestradas e — aqui em particular — daquilo que a terra tem a dizer sobre a violência a que foi sujeita. O microfone suspenso sobre o Alentejo, uma região árida e em agonia duramente explorada por empresas Canadianas, relaciona-se com a terra, com esta procura de um arquivo que rompa com a autoridade dos livros e daqueles que os produzem, celebrando uma forma de conhecimento selvagem e inclassificável. 

Encontramos muitas vezes no trabalho de Filipa César o problema insistente da transmissão, que nunca é uma mera fetichização das vozes minoritárias, perdidas no ruído ensurdecedor das paradas coloniais. Quando ela decide digitalizar as bandas sonoras e filmes do INCA (Instituto Nacional do Cinema e Audiovisual da Guiné-Bissau) ameaçados pela síndrome do vinagre, é mais do que uma questão de conservação. Uma vez que o primeiro objectivo de preservação é conseguido — as versões digitais foram feitas em Berlim e as fitas originais regressaram a Bissau — ela dedica-se à sua própria acção: a “mise en intrigue” — a criação de um enredo ou intriga para os documentos. 


Da mesma forma, quando a artista exuma os textos agronómicos do jovem Amílcar Cabral, ela usa-os como princípios activos tentando determinar a sua dosagem e condições reactivas. Assim, todos estes materiais — os filmes e os textos — deixam de ser relíquias preciosas do passado para se tornarem ingredientes activos do relato do presente. Se as disciplinas da história nos obrigam a considerar o documento no seu contexto, então as acções de Filipa César têm de ser classificadas noutra categoria: feitiçaria narrativa, prática alquímica. Desta forma, o relato deixa de ser relatado, já não tem narrador, surge por cristalização — como um mineral, empurrado para os domínios da geometria, desafiando as leis do espaço e do tempo, crescendo imparável em todas as direcções. A erosão dos poderes de ontem revela-o; o relato é agora um cristal que refracta e rearranja todas as histórias. O chão do passado da Guiné-Bissau ocupa o mesmo espaço e esquema que hoje ocupa o solo do Alentejo. O primeiro informa o segundo, partilhando as suas estratégias secretas para escapar à dominação e à ruína: para evitar tornar-se envenenado, um solo minado. O corpo tóxico como figuração da luta radical. 


É desta forma, e tendo em conta as suas experiências, que devemos ver a artista na sua mesa de trabalho em Mined Soil. Enquanto no filme de Resnais a voz masculina e omnisciente do Oeste declara o seu valor de referência para todos os homens, olhando para o mundo de cima, Filipa César investe o seu próprio corpo na narrativa que metaboliza. Mas este compromisso não faz dela uma narradora com especial poder. Como já dissemos, a narrativa por vir não precisará de narrador. O corpo já não é o teatro das operações, já não é o terreno onde podemos ler os factos que o atravessam, que cita e distribui. É o catalisador e o substrato de uma reacção química, a superfície de projecção de um novo realinhamento do mundo.

 

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