A exposição “Bad Thoughts”, que Erwin Wurm (Bruck an der Mur, Áustria, 1954) apresenta na galeria Cristina Guerra Contemporary Art, contempla obras de diferentes séries realizadas nos últimos anos, com especial destaque para as esculturas em bronze patinado da série que dá o título à exposição e que representam a sua produção artística mais recente.
No seu trabalho é reconhecida uma estreita ligação ao imaginário colectivo, ao quotidiano da vida contemporânea que, sob as diversas faces de um imaginário social expandido, se reinterpreta continuamente de forma voraz, mas simultaneamente sobrevive a si próprio através da reapropriação dos clichés que cria e que a sociedade absorve, idolatra e transmuta. É neste campo de possibilidades, tão vasto quanto a proliferação de objectos, modos de vida, marcas, hábitos e diferentes estados da psicologia humana, que Erwin Wurm actua, subvertendo modelos que estratificam e definem a realidade social, económica e cultural.
Uma série de esculturas em bronze, intitulada Gurken modernistisch (Pepinos modernistas), é exemplar do modo como a forma pode traduzir uma ironia fina que escapa ao risível, sem esconder uma atitude crítica e corrosiva. A questão passa do mito da modernidade para a mais vernacular identificação com os vegetais que compõem essas esculturas, numa acção que se aproxima da cultura popular mas que incide sobre modelos históricos em que a escultura, que o artista tem constantemente interrogado, é também protagonista dessa transformação disruptiva que por vezes nos desequilibra entre uma visão lúdica, quase divertida, e uma linguagem assente num poderoso vocabulário de materiais, aparentemente resgatado a esse imaginário de clichés, mas que lhe serve essencialmente de matéria-prima.
Por outro lado, a série de esculturas intituladas “Bad Thoughts” parece contrariar essa dimensão irónica para nos confrontar com o negrume desses embrulhos sobre os quais nada sabemos, mas que denunciam a marca de um gesto, por vezes violento, amassado como um corpo pesado a que associamos estados de humor que o título revela como estados de alma, obscuros e quase dramáticos.
A palavra escrita teve sempre uma importância decisiva no trabalho de Wurm, enquanto título das obras e das séries, e será bom recordar séries ou conjuntos de trabalhos como as performances “Wittgensteinian Grammar of Physical Education”, de 2015, “Wear me Out”, de 2011, ou “House Attack, Performance”, de 2012, em que a corporalidade do objecto, por exemplo uma peça de mobiliário, e o corpo humano são trabalhados sob uma performatividade escultórica que nos leva a pensar no absurdo das acções humanas e, por outro lado, na validade ambígua - indexada a outras disciplinas como o design ou a arquitectura - que determinados objectos possuem enquanto símbolos de uma sociedade estratificada e exclusivista, como acoontece nas obras da série “Furnitures” ou na escultura “Flugsimulator” (Simulador de Voo), de 2014, presentes nesta exposição.
É impossível não reagir com estranheza, mas também com humor, às figuras que anunciam um corpo – contudo ausente – e um estado de espírito residente no seu movimento, intituladas “she-pop” e “he-pop”. Ao pronunciarmos esses títulos perante estas esculturas, todo um correlato de referências vocais, musicais e mundanas se associa à escultura enquanto imagem polissémica. A palavra regressa ainda nos objectos de parede, como se fossem pinturas em que os materiais, a lã e a tela, configuram estruturas visuais e semânticas, quase fonéticas, como em “Untitled (He)” ou “Untitled (But)”, ambas de 2009.
Quando nos confrontamos com a obra de Erwin Wurm, submetemo-nos a um escrutínio sobre a construção social contemporânea e a hipotética veracidade que os seus modelos impõem. Tal como, de certa forma, nos confrontamos ainda com o questionamento da modernidade presente na obra de Jacques Tati, que sob a égide do cómico, quase grotesco, pode conduzir-nos a reflectir sobre as diversas formas de construir uma identidade funcional imposta, mas que a transitoriedade icónica resgata a ideia de ser “moderno”, mesmo hoje. No tempo que nos é presente.
João Silvério
Novembro, 2016