Num texto sobre a atmosfera, Leonardo da Vinci associa a linha, o ponto e a superfície, qualificando-os de nomes sem substância. A superfície é infinitamente sensível: é o nome que se dá ao que separa os corpos do ar que os envolve; é uma fronteira entre a coisa e a atmosfera, tem nome mas não tem corpo. Talvez seja nesse ponto dinâmico de passagem que se situa a obra de Diogo Pimentão, utilizando a linguagem da linha, do ponto e da superfície. Desta feita, e apesar da tentação de o fazer seja compreensível, as obras que Pimentão inclui na exposição não se podem separar entre as disciplinas da escultura e do desenho: tudo é desenho (linha, ponto e superfície) e corpo na sua obra. O que determina a identidade de cada obra é o modo como o desenho se opera, e como “vive” no espaço.
A maneira como o artista encara a exposição tem a ver com o espaço físico da galeria, as suas paredes, as suas perspectivas - o seu chão. Arriscando abusar da noção de coreografia, pode no entanto dizer-se que há uma consciência de treinar o corpo frágil do desenho, por vezes suspenso sobre o chão ou apoiado na parede a encontrar a sua própria força. Por isso é habitual Diogo Pimentão acabar as obras que começa no atelier durante a montagem, resolvendo-as na galeria - o atelier funciona como um espaço de repetições e a galeria o palco. O material é habitualmente o papel, essa matéria submetida ao destino de se desfazer simbolicamente da sua matéria para se fazer superfície. As suas obras Participle #1 e Participle #2 são de papel espesso coberto de riscos formando como uma pele metálica, que o artista dobra ou arqueia de modo a levá-la a determinada forma modular - no caso da presente exposição, são finos paralelepípedos. Os limites e as surpresas da sua maleabilidade, como o coreógrafo e os seus dançarinos, produzem formas inesperadas. Tal como o corpo de um performer, o papel é também um espaço em si, intenso, uma concentração de experiências e
acontecimentos. Daí Disclosure (2015) ser uma forma que se dobra sobre si mesma, sem início nem fim.
In (visible) #1 e #2 radicalizam um outro conjunto de obras, que Diogo Pimentão tem vindo a fazer há uma década. Este nasce do reconhecimento do chão do atelier como um desenho invertido, espaço de resíduo dos movimentos e da matéria dos desenhos.
Desta forma, o artista retirou a película plástica que protegia o chão e recolhera o grafite, o gesso, o pó e as pegadas, fragmento a fragmento. De seguida, transferiu cada pedaço do plástico para uma folha. Invertido, o chão do desenho é absorvido pela preparado da folha e toma corpo. Apresenta a sua face escondida, que esteve comprimida entre o ar e o objecto - uma superfície que se revela.
Joana Neves
Novembro 2015