“Such are the simpler forms that create strong gestalt sensations.” 1
Robert Morris Notes on Sculpture 1-3
“If one notices one´s immediate visual field, what is seen? Neither order nor disorder. Where does the field terminate? In an indeterminate peripheral zone, none the less actual or unexperience for its indeterminacy, that shifts with each movement of the eyes.” 2
Robert Morris, Notes on Sculpture 4: Beyond objects
O Olhar Expandido
O trabalho fotográfico de Daniel Malhão (Lisboa, 1971) tem sido caracterizado pela relação entre a fotografia e a arquitectura. A esta equação acrescentamos a paisagem e a escultura. Para este artista, estes conceitos unem-se numa vertente específica na qual não interessa a pureza disciplinar mas antes uma atitude perante o mundo captado, resultante de uma determinada linhagem, e pertinente na contemporaneidade onde habitam as formas híbridas e flexíveis.
Nestes trabalhos, o fotógrafo usa a fotografia no sentido do monumento, trabalhando em torno de conceitos tais como obra/ruína; construção/reconstrução, entre outros pólos antagónicos. A fotografia, aqui, concretiza o lugar, assinalando-o. Podemos encontrar esta característica nas imagens de Daniel Malhão, podendo entendê-las na lógica do site-specific (outras designações serão aqui pertinentes tais como marked sites ou site constructions). A série Unfinished Project, 2010/2011 parte de algumas dessas preocupações. Neste conjunto de imagens alusivas a casas inacabadas junto ao Cabo Espichel, podemos estabelecer vários níveis de leitura, nos quais o sentido de monumento é absolutamente definidor. A sua instalação na galeria respeita a sua ordem no terreno, reinterpretando-a, e nesta podemos observar interessantes pormenores relativos à tipologia construtiva, entre outros. Nesta mesma sequência podemos observar, igualmente, um sentido evolutivo que vai da casa mais construída para a estrutura despida, à medida que se avança para o mar, e que se assemelham quase a templos romanos onde o sentido de fundação tem a sua importância. Esta ideia de fundação está igualmente presente em Oceanário de Lisboa, Expansão. 2010, onde a presença da água se faz pela via artificial lembrando, entre as duas obras, outro pólo antagónico que preside ao cultural/natural e à relação arquitectura/paisagem. Este conjunto apresenta, ainda, para além da ironia, um questionamento político e social, por se tratarem de construções ilegais devido à sua implantação numa paisagem protegida.
Numa outra aproximação ao tema da natureza encontramos Corta.Mina de São Domingos, 2010, na qual é evidente a abordagem à paisagem como escultura. No entanto, ao invés do escultor, o fotógrafo não necessita de intervir no objecto ou de alterar nada na paisagem pois esta possui, na essência, características escultóricas suficientes. Ele apenas a regista desta forma, devolvendo-a com características pictóricas, instaurando, assim, a reflexão em torno dos meios usados e dos resultados obtidos.
A atenção dada à percepção e à construção da visão ou, em última instância o acto de ver, é outro dos factores pertinentes na sua obra. Porto de Sines, 2008, é disto exemplo. Insere-se numa lógica explorada em torno do formato do díptico e do jogo com a percepção do observador e na sequência de trabalhos anteriores tais como “As far as I can see”, 2008, que reflectiam acerca da linha do horizonte, da relação com a temporalidade (inerente a qualquer acto fotográfico), e, ainda, com a lonjura ou os limites do alcance da visão. Nesta imagem do Porto de Sines, as linhas de composição e de força na construção da imagem têm uma importância maior na forma como o espectador deve organizar a sua percepção. Simultaneamente, estas obras não se prendem apenas com o acto de observação por parte do espectador mas questionam, antes, o acto de escolha de um determinado plano por parte do fotógrafo. Porque é que se decide escolher um enquadramento e não o outro imediatamente ao lado ou a seguir? Que decisões formais presidem a esta escolha? Partindo deste ponto de vista, ambas as imagens têm autonomia formal mas jogam em complemento, uma decorrendo da outra e desta alternância entre a escolha de diferentes enquadramentos. Esta dualidade, esquerda/direita, está presente noutros elementos da imagem: eixos verticais e horizontais, o longe e o perto, o par de torres em cada uma das imagens, entre outros.
Todavia, nesta dialéctica o factor mais relevante é o fora e o dentro de campo, que solicita a expansão do olhar. Este fora-de-campo expressa-se, também, de certa forma, no intervalo que existe entre estas imagens pois, embora possam reconstruir um panorama, elas apresentam-se separadas. Esse espaço pode ser interpretado como uma virtualidade que apela à capacidade projectiva do espectador, o lugar onde este tem a sua performance. Em Posto de Abastecimento Quinta da Mougueta Mafra, 2010, encontramos de forma diferente a abordagem ao fora-de-campo e, em sentido mais lato, ao conceito de expansão. Esta fotografia resulta na exploração do tema vernacular na arte contemporânea das bombas de gasolina (que, aqui, não parece à primeira vista evidente e cujo carácter de singularidade e qualidade arquitectónica foi um factor essencial na escolha desta imagem). O fora-de-campo é aqui introduzido, fundamentalmente, através de dois elementos, ambos direccionados para um plano exterior ao enquadramento: a câmara de vigilância e o olhar da personagem que está no interior.
Em todos estes aspectos, o carácter de ' abertura' do trabalho de Daniel Malhão é um dos factores a salientar e torna-se evidente na fotografia escolhida como imagem-convite desta mostra. Campo de Jogos Zona Industrial Massamá, 2010, salienta a tendência do artista para as formas arquitectónicas simples e, ao mesmo tempo, pela escolha de uma forma 'gaiola' apresenta-se como uma metáfora para a permeabilidade das várias áreas artísticas. O próprio acto de delimitação de um espaço é um acto arquitectónico mas, igualmente, escultórico.
Apesar de nos dar um frame muito concreto e rico, para entendermos a obra de Daniel Malhão teremos, nós próprios, de expandir o nosso campo mental e visual. Como firma A. Ehrenzweig “Our attemp at focusing must give way to the vacant all-embracing stare.” 3
Carla de Utra Mendes
1 Morris, Robert, “Notes on Sculpture 1-3”, in Art in Theory 1900-2000, an anthology of changing ideas, ed. Charles Harrison & Paul Wood, London: Blackwell, 2003, p. 829
2 Idem, “ Notes on Sculpture 4: Beyond Objects”, ibidem, p. 881
3 Ehrenzweig, Anton, ibidem, p. 881