© Vasco Stocker Vilhena
O título da exposição Outros Lugares / Everywhere situa-nos, em simultâneo, em múltiplos espaços e em todas as direções possíveis. Muntadas tem sido frequentemente descrito como uma figura nómada, desenvolvendo investigação em diferentes contextos a partir da posição de quem observa de fora. Essa condição de deslocação tem operado, ao longo da sua prática, tanto como método quanto como matéria — um estado de “entre” (Muntadas: Between, Daina Augaitis, 2011, p. 10). É a partir desse lugar intersticial que constrói uma forma de observação: um filtro de escuta posicionado entre culturas, línguas e fronteiras. A sua prática é politicamente comprometida e crítica, interrogando os sistemas de comunicação — visíveis e invisíveis — e o poder dos media no mundo contemporâneo. Há mais de cinco décadas que Muntadas formula perguntas com o intuito de traduzir os códigos e signos que estruturam a realidade. A partir do quotidiano, convida-nos a refletir sobre os limites e as definições mutáveis do espaço partilhado, público e privado.
À entrada da galeria, um capacho apresenta-nos uma pergunta aberta: ...Onde vais? / Where are you going? (2024). A interrogação sugere movimento e a possibilidade de um destino, mas para quem? Para os visitantes, a galeria, a própria sociedade? Esta obra abre um espaço de reflexão e debate, convidando-nos a considerar os futuros possíveis do sistema artístico, assim como os nossos próprios percursos dentro dele.
A curiosidade foi sempre o ponto de partida para os projetos de Muntadas, uma força motriz que delineia o quadro da investigação. Entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, desenvolveu as suas primeiras obras sob a forma de atividades, ações e experiências sensoriais que escapavam à estética tradicional. Essas explorações aguçaram a sua perceção do material do quotidiano e do espaço pessoal. Metaforicamente, encerra esta fase inicial com a instalação de diapositivos Reflexões sobre a morte / Reflections on death (1973), uma compilação de imagens que retratam os elementos formais e codificados de um funeral tradicional e estilizado.
Em 1971, Muntadas muda-se para Nova Iorque, onde estabelece a sua base de trabalho e inicia a exploração da media art através do vídeo e da televisão. Cria ações de pequeno formato em espaços públicos, utilizando o vídeo como ferramenta de resistência, um instrumento de contrainformação face às narrativas dominantes dos meios de comunicação. É neste período que introduz o conceito de media landscape [paisagem mediática], referindo-se ao campo comunicacional em expansão, moldado pela proliferação de informação na imprensa, na televisão e nas novas plataformas de comunicação no contexto urbano.
É também nesse momento que Muntadas formula um princípio orientador que se tornaria central na sua prática: Arte ⇄ Vida (1974). Este mote afirma a ligação indissociável entre arte e vida, uma convicção que atravessa tanto a sua obra como a sua vivência quotidiana, sintetizada na afirmação: “Trabalho onde vivo e vivo onde trabalho” (Eugeni Bonet, Monographs—Muntadas, Fundació “la Caixa”, 2011). É por essa altura que começa a viajar pela América Latina, movido pela vontade de investigar o continente para além da imagem homogeneizada então difundida pelos media. Muntadas abre uma linha de investigação centrada no medo, como forma de instrumentalização enquanto arma política de dissuasão e controlo. Todos percebemos o conceito do medo, e como precede ou sucede frequentemente à violência. O artista estudou o modo como o medo molda os espaços públicos e privados, em particular nas comunidades fortificadas das cidades latino-americanas. A vídeo-instalação Alphaville e outros (2010) justapõe o filme distópico Alphaville, de Jean-Luc Godard, com os condomínios fechados de São Paulo, que, em conjunto, compõem a paisagem urbana anfiteátrica de uma cidade que promete proteção contra ameaças externas.
Muntadas tem mantido o hábito de regressar aos países onde estabeleceu relações de trabalho duradouras. No caso de Portugal, essa relação remonta a 1979 (1) . A sua mais recente contribuição para o país é uma serigrafia que prolonga a série City Sentences (frases), que são frases sintéticas e concisas que condensam, em microescala, a linguagem e a atmosfera sociopolítica de um país. As fontes destas frases variam do discurso político aos títulos de jornais, e à cultura popular, combinando slogans emblemáticos com imagens de fundo evocativas. O artista usa ironia e complexidade para refletir sobre as realidades que se estão a viver nos países naquele momento. A nova obra Bom dia (2025), apresenta a frase “Continente bom dia” em néon amarelo fluorescente, projetada contra um pôr do sol escurecido, uma composição deliberadamente paradoxal. Nos últimos três anos, Portugal viveu uma considerável turbulência política, marcada por duas eleições legislativas em rápida sucessão. O país parece estar num processo de ciclo contínuo para reiniciar um novo governo.
A viagem permanece um fio condutor essencial na trajetória de Muntadas, como fonte de reflexão e método de experimentação visual. Duas obras recentes, Life is Editing (2024) e Keep Moving (2024), inscrevem-se no ideograma Arte ⇄ Vida, explorando a metáfora da viagem como estrutura para pensar o movimento, tanto artístico quanto pessoal. Em Keep Moving, o artista apresenta quatro “viagens” distintas: uma linha desenhada à mão livre, uma coleção de cartões de segurança de avião, um eletrocardiograma e uma colagem de mapas que assinalam os destinos mais marcantes das suas viagens. O seu próprio mapa de vida. A experiência de um percurso de vida, onde a montagem é fundamental para se obter a versão final de um filme, através dos planos que decidimos cortar.
Carolina Grau
Maio 2025
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1 A primeira exposição do artista em Portugal foi em 1979, na Galeria de Belém em Lisboa, com o título "Muntadas: Subjetividade/Objectividade: Informação Privada/Pública". Em 1992, Muntadas apresentou duas exposições individuais em Portugal: Intervenções: A Propósito do Público e do Privado, no Museu de Serralves, no Porto, e Palavras: A Sala de Conferência de Imprensa, na Galeria Graça Fonseca, em Lisboa.