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Power Structures (Crouch-touch-pause-engage)
12

 

Setembro

 

2020
13

 

Novembro

 

2020
Ângela Ferreira - Power Structures (Crouch-touch-pause-engage)
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Ângela Ferreira - Power Structures (Crouch-touch-pause-engage)
Ângela Ferreira - Power Structures (Crouch-touch-pause-engage)

Esta exposição de Ângela Ferreira (AF) constitui um momento importante no trabalho desta artista uma vez que os diálogos que estabelece e aquilo que mostra através das suas esculturas e desenhos não se dirige a nenhum momento da história da arte (sabe-se a preferência desta artista pelo modernismo artístico europeu com especial incidência no construtivismo russo e em alguma arquitectura moderna), mas relaciona-se livremente com um desporto mostrando não só o seu potencial artístico, mas igualmente a forma como nele está inscrita uma complexidade histórica que importa explorar.

 

A escolha do rugby não é casual, mas decorre da forma como este desporto está fortemente relacionado com a história recente da África do Sul, o fim do aparthaid e o lento processo de descolonização e integração social que aquele pais africano tem sofrido desde meados dos anos de 1990. Processos estes que têm alimentado uma parte significativa da pesquisa artística de AF. 


Mas nesta exposição para além do contexto político (a que voltarei no final deste texto), a artista convoca uma modalidade desportiva como texto que interpreta artisticamente. E convocar uma modalidade desportiva, independentemente da micronarrativa específica que contém, implica lidar com certas concepções de corpo e de organização que, potencialmente, transformam eventos desportivos em lugares de superação, de protesto e, claro, de celebração. 


É importante realçar que a beleza desportiva não é a beleza artística. E que a concepção instrumental de corpo que o desporto implica não é a forma como um artista habitualmente contempla um corpo. Esta será uma das razões pelas quais desporto e arte parecem dois polos, aparentemente, contrários: o cânone das belas artes parece ser totalmente contrário ao volume muscular, às expressões físicas de sofrimento, de gloria ou derrota que recordam a animalidade que em nós foi domesticada através do treino, da repetição, da exaustão, da disciplina. 


A beleza do desporto está no esforço, na ultrapassagem de limites externos (levantar cada vez mais peso) ou internos (correr ou nadar cada vez mais rápido) e no modo como o corpo parece superar a sua condição natural e, através da provocação de conflitos internos e externos, atingir uma determinada forma de excelência. Foi esta a razão que levou os gregos a pensar no desporto como lugar em que Agon (conflito, guerra, confronto) e Arete (excelência ou virtude) se conjugavam. Conjugação esta produtora de uma experiência de fascínio que todos quantos assistem a um evento desportivo partilham.


De um certo ponto de vista, quando se inclui o desporto no vasto reportório das belas-artes exige-se uma expansão do cânone do belo artístico de forma a poder incluir toda a gramática que o corpo desportivo transporta consigo. Corpo este que muito 

mais do que ser uma forma orgânica, espontaneamente surgida, é um corpo forjado (como se diz numa das frases emblema do halterofilismo e do crossfit: ‘built, not born’) através da submissão voluntária e desinteressada ao desconforto, a disciplina, ao compromisso, ao treino. 


Talvez tenha sido este conjunto de razões que levaram Platão e Aristóteles na Grécia Antiga a abrir a Academia e o Lyceum ao lado de um ginásio. Sabemos, pelo menos desde os diálogos de Platão, que a reflexão filosófica está associada à contemplação de corpos belos (veja-se o excelente livro In praise of athletic beauty, 2006, de Hans Ulrich Gumbrecht). 


Se a questão do corpo é fulcral quando pensamos na relação entre o belo artístico e o belo desportivo, outra questão prende-se com os instrumentos desportivos e a forma como estas ferramentas, cuja função a maior parte das vezes nos é desconhecida dada a sua especificidade, podem ganhar qualidades escultóricas inesperadas. Seria útil convocar Kant e explorar o modo como o desconhecimento da função destes instrumentos / objectos permite ao sujeito que os contempla inscrevê-los na esfera do desinteresse que, como se sabe, era o requisito kantiano maior para a experiência humana do belo artístico: olhar para uma forma desinteressadamente e contempla-la por si, na sua autonomia, liberta de qualquer utilidade, função ou exigência pragmática. 


No caso de AF, estas estruturas – a que era totalmente estranha e que por acaso encontrou numa visita ao Coetzenburg Stadium em Stellenbosch na África do Sul centro de referência do rugby naquele país – perdem totalmente a sua função de objecto útil e o que a artista nelas reconhece – e as transforma em terreno criativo fértil – são as suas qualidades formais, escultóricas e o seu potencial de sentido. Ou seja, é a sua complexidade não só formal, mas também histórica que transformam aqueles instrumentos desportivos em objectos histórica e artisticamente relevantes. 


No filme de Clint Eastwood Invictus (2009) há uma cena em que Nelson Mandela (interpretado por Morgan Freeman) conversa com um conjunto de mulheres, criticas do recente fascínio do então Presidente da África do Sul pelo rugby dado este ter sido o desporto rei do regime do apartheid, e ao ver uma equipa com uma intensa diversidade racial pergunta: “ainda acham que o rugby é só desporto?” 


Esta pergunta, que é mais uma constatação que uma interrogação, mostra como para além das qualidades estéticas, artísticas e formais que aquele desporto possui, ele revela uma complexidade histórica e social que escapa à simplicidade que normalmente caracteriza as narrativas desportivas. E esta exposição de Ângela Ferreira é, precisamente, sobre essa complexidade histórica presente nas estruturas, formas, acções e corpos da equipa nacional sul africana de rugby que mostram como um desporto de homens brancos se transformou num exemplo maior dos processos de inclusão da sociedade daquele país africano. 


A possibilidade de um desporto (enquanto acontecimento colectivo) poder contar a história de um século foi percebida por outros artistas. Um bom exemplo é o de Douglas Gordon e Philippe Parreno que em 2006 criaram o filme Zidane, un portrait du 21e siècle. A estratégia seguida, semelhante à que AF apresenta nesta exposição, é perceber a coincidência entre relevância cultural, histórica e política e qualidades estéticas, formais, artísticas. E é esta coincidência que confere relevância a estas obras de arte.


Mais espeficicamente, o projecto de Angela Ferreira é uma reconstrução ou, se preferirem, uma releitura interpretativa dos equipamentos de treino da equipa nacional de rugby espalhados por um relvado junto do Coetzenburg Stadium em Stellenbosch na África do Sul (a tal equipa que tanto inspirou o presidente Mandela). E esta leitura feita pela artista mostra como aqueles objectos activam questões fundamentais acerca da complexidade da história recente da África do Sul. 


Neste sentido, podemos pensar que estas esculturas e desenhos são duplamente performativos. Por um lado, cada uma destas obras guarda a memória de uma relação forte com uma determinada utilização por um corpo em esforço, em superação, em luta. Por outro, estão neles inscritos a acção do fazer da história. E é interessante perceber aqui a forma como o dinamismo e fisicalidade da prática desportiva servem como uma boa metáfora para a acção do fazer da história. 


Não se trata de ilustrar um acontecimento específico, mas utilizar o subtexto presente em objectos encontrados num certo contexto politico-cultural como matéria plástica de reflexão. E é desta maneira que cada escultura e desenho detêm um potencial politico e é esta a sua forma de activismo e militância. 


Importa ainda salientar a forma como a racionalidade escultórica, muitas vezes preferida pela artista e desenvolvida a partir do estabelecimento de um diálogo com o modernismo artístico ocidental (sobretudo europeu), não tem aqui lugar. Em vez disso surgem esculturas espontâneas que têm referentes não no discurso formal e visual educado da arte ocidental, mas que são totalmente imprevistas, espontâneas, vernaculares. Se anteriormente o trabalho de arquitectos como Prouvé, Álvaro Siza ou Pancho Guedes, entre outros, eram elementos importantes no diálogo que esta artista tem vindo a desenvolver, aqui essas referências desaparecem e dão lugar a uma relação com objectos de uso comum sem qualquer atributo artístico ou cultural prévio. 


Finalmente, esta exposição recupera, convoca e torna presente não uma abstracção, mas corpos reais que habitam e agem no mundo. Podemos pensar nestas esculturas e nos desenhos que elas provocaram como acções. Cada obra aqui presente remete para um movimento específico do corpo, movimentos estes indicados no título escolhido pela artista para esta exposição: Crouch, touch, pause, engage. Ao mesmo tempo que convoca as ideias de superação de obstáculos, de resistência e a forma como cada corpo, isto é, cada sujeito, é gerador de uma energia que ultrapassa e se relaciona com outras energias. É muito potente a gramática dos movimentos físicos do jogo rugby que AF escolheu como tema, porque todos remetem para uma performatividade que exige não só uma consciência de si, mas também do outro: corpos distintos a relacionar-se, a unir-se, a separar-se e a agir em conjunto. E este equilíbrio entre subjectividade e colectividade é uma imagem potente para falar acerca da nossa vida comum. 



Nuno Crespo

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