Um objeto que tem comprimento, tem uma dimensão. Comprimento e largura fazem duas e comprimento, largura e espessura fazem três dimensões. Qualquer objeto que exista verdadeiramente, do momento em que surge até ao instante em que desaparece para sempre, tem também uma duração, a quarta dimensão. Antes de a quarta dimensão ser tratada como tempo, ela foi brevemente descrita como uma dimensão transcendental do espaço.
Euclides e o Brexit são um par invulgar — o primeiro o pai da geometria, e o segundo o termo coloquial para a saída do Reino Unido da União Europeia — mas Euclides na Europa imbrica espaço geométrico e político para nos fazer pensar em que tipo de dimensão política estamos prestes a entrar.
A ideia da possibilidade de um espaço multidimensional, que Euclides na Europa liga à geo e biopolítica, é muitas vezes atribuída ao jovem Immanuel Kant que, no seu Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura (1783), se interroga: se todo o espaço fosse vazio à exceção de uma só mão humana, faria sentido perguntar se se trata especificamente de uma mão direita? Para visualizar o problema proposto por Kant, imagine o contorno de uma mão impresso numa superfície transparente. Tanto pode aparentar ser uma mão direita como uma esquerda, dependendo da posição do observador. Esquerda e direita só fazem sentido dentro dos limites do espaço bidimensional; movendo-nos para a terceira dimensão, esquerda e direita são características que passam a ser dependentes do observador. O contorno não representa nem esquerda nem direita, mas ambas.
Prismas romboidais, as esculturas de Angela Bulloch são também dependentes do observador: podem parecer irregulares de um certo ponto de vista, ou regulares da perspetiva oposta. À medida que o observador caminha pela galeria, os Paravents de Bulloch parecem rodar sobre os seus eixos. Untitled Wall Painting Can do Blue (2017) é uma pintura mural que quando vista de frente parece estar seccionada, mas parece ser um único objeto quando é observada de um ponto de vista oblíquo. Tal como os espectadores, os eleitores vêm coisas distintas a partir de ângulos diferentes. Mas aquilo que se afigura como uma propriedade geométrica dos objetos em exposição, pode na realidade ser o efeito de uma força política — a atração/repulsão entre o Reino Unido e a UE — e das distorções espaciais provocadas por esta força: fronteiras que logramos apagar serão erguidas de novo, geografias serão segmentadas e despedaçadas, identidades deformadas e balcanizadas. O acionar do artigo 50 vai redefinir o nosso espaço social e cultural. Situadas no limiar deste momento crucial, as formas romboidais de Bulloch corporizam estas forças opostas, materializando vetores políticos em geometrias retorcidas e incerteza social em acumulações instáveis.
Se o espaço é o lugar no qual os corpos coexistem, tal como o tempo marca a sucessão dos eventos, Bulloch convida-nos a imaginar que tipo de sítio definem estes objetos geometricamente ambíguos.
Ana Teixeira Pinto, Maio 2017