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2017
André Cepeda - Rasgo
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André Cepeda - Rasgo

Farejando em Brooklyn: sobre a exposição RASGO, de André Cepeda 


A exposição RASGO abre uma nova etapa na obra de André Cepeda, após a sua passagem pela RU - Residency Unlimited, em parceria com o Atelier-Museu Júlio Pomar / EGEAC, em Nova Iorque, na Primavera de 2016, e com a sua exposição no MNAC, ainda fresca nas nossas memórias. Confrontadas com o fito documental da exposição no Chiado, as imagens agora apresentadas na galeria Cristina Guerra têm um carácter mais abstracto, menos narrativo. O projecto que apresentou no MNAC foi um trabalho ao qual o artista dedicou três anos, com o objectivo de oferecer a sua visão da cidade onde vive, o Porto. Em RASGO, pelo contrário, não havia uma ideia predefinida. Foi um projecto mais livre que os anteriores e no qual, à falta de um conhecimento profundo do meio nova-iorquino, o artista deu prioridade à construção e composição de imagem. Rapidamente, Cepeda compreendeu que a sua missão não era explorar a imagem icónica e refinada da cidade, mas sim elaborar uma experiência própria, como um animal selvagem que ronda, fareja e descobre as ruas de forma furtiva e passageira. 


No início da sua experiência em Nova Iorque, o processo de trabalho consistiu em precorrer as ruas da cidade e visitar museus, tendo esta vivência sido, numa fase inicial, mais relevante do que produzir obra. Cepeda não teve pressa em utilizar a câmara, e dedicou-se a explorar a cidade: Manhattan, claro, mas também outros bairros periféricos em Brooklyn e Queens — não muito distantes da residência e do seu apartamento — como Red Hook, Bushwick e Ridgewood. O primeiro é uma zona portuária que conheceu tempos melhores durante a grande guerra, e os outros bairros, um pouco mais a norte, são zonas industriais que, apesar de começarem a sentir a pressão de uma gentrificação galopante, ainda conservam um ambiente popular e de trabalho que captaram imediatamente a atenção do artista. 


Em avenidas como a Metropolitan e Grant, radicalmente distintas do imaginário da 5th Avenue, Cepeda encontrou o que procurava. Primeiro tropeçou no lixo, buracos, obstáculos, armazéns, sujidade e resíduos, como é habitual num lugar onde a todas as horas circulam camiões, transportando milhões de toneladas de mercadorias que Nova Iorque produz, consome e distribui. Cepeda descobriu ainda materiais, formas, cores e uma luz especial; curiosamente elementos muito parecidos com os que encontrou nas obras dos mais importantes artistas americanos — os expressionistas abstractos, os minimalistas e os conceptuais — nas visitas que fez a museus e galerias de arte. Esta coincidência não é surpreendente; tal como o historiador de arte T. J. Clark refere nos seus textos: a arte norte-americana tem a capacidade de se fazer mais intensa e interessante quando é vulgar, prosaica e quotidiana. 


Esta tomada de consciência das raízes da arte norte-americana determinou a direcção de André Cepeda no caminho da abstracção. Em vez de contar histórias ou documentar realidades sociais, Cepeda compreendeu que a sua missão consistia em capturar fragmentos de uma forma de vida alheia a si, partindo de um nível básico, quase instintivo. Cepeda entendeu que tinha de romper com o que conhecia e abrir uma nova etapa na sua investigação do meio fotográfico: como se constrói uma imagem? O que posso fotografar? A residência foi, sem dúvida, o contexto ideal para uma reflexão intensa sobre o seu trabalho, sobre o que tinha feito e o que queria fazer. 


A crueza do seu entorno fascinou Cepeda. Um exemplo disto é uma das fotografias da exposição (102 x 80 cm) na qual vemos um painel de madeira lamelada, de cor branca, cuja capa superficial estalou e começou a descascar. As peças distintas que compõem o laminado lembram-nos pinceladas, como num quadro abstracto, talvez um dos famosos monocromos de Robert Ryman. Nesta fotografia, tal como em quase todas, a luz é quente e cheia; característica da Primavera e do solstício de Verão. Na realidade esta luz que se reflecte e ressalta de edifícios, tem gamas cromáticas mais apagadas, entre castanhos e cinzas. 


Outro aspecto chave das fotografias é que estas são quase todas verticais, como a cidade. Não há horizonte, nem paisagem, nem natureza: há objectos e abstracção. Nova Iorque é uma cidade «abstracta», intelectual. Animada pelo capital, finança e tecnologia, racional e planificada, mas transbordante de caos e desejo. Cepeda refere que quando fez as imagens em NY, apenas viu «linhas e equilíbrios compositivos», elementos formais presentes na pintura e escultura minimalista. Perante estas imagens, não podemos deixar de pensar nas ruas de Manhattan e na ortogonalidade quebrada pela diagonal da Broadway, introduzindo um elemento de desequilíbrio e dinamismo — de vida, de surpresa — na cidade. 


Outro elemento que deriva deste tratamento abstracto da fotografia é a «serialidade». Muitas das obras desta exposição configuram-se através de sequências. Estas sequência têm um carácter cinemático que nos ajuda a perceber um certo aspecto «natural» da cidade, na sua condição de organismo vivo e transitório, em mutação constante. Cepeda constroi articulações precárias e efémeras, que parodiam de forma discreta as imponentes torres de escritórios desta ilha, fazendo ainda alusão à dialéctica entre verticalidade e horizontalidade, visão e corpo, cultura e natureza. 


A repetição tem um papel importante na monumental série, dedicada a uma insignificante fenda no asfalto que nos permite adivinhar a presença de terra por baixo. Nas três séries apresentadas (seis imagens de grande escala; três imagens de gande escale e oito imagens de escala pequena), há fotografias únicas, singulares, que se limitam a um disparo, como a imagem de escala pequena, a primeira à esquerda, de um cilindro de aço. Esta relação com o solo e com a gravidade está vinculada a uma espécie de processo de «des-sublimação» através do qual Cepeda renuncia a uma ideia de beleza convencional e normativa. 


Assim sendo, é necessário chamar a atenção para outro aspecto, relacionado com a materialidade das fotografias. Por exemplo, na série de três imagens de grande escala, quase abstractas, onde vemos grandes manchas de uma cor amarela, queimada pelo sol, Cepeda escolheu imprimir as fotografias num papel japonês fino, reafirmando o efeito de imaterialidade e leveza criado pela luz de verão. Paradoxalmente, as manchas representadas são na realidade grandes e pesadas placas de aço que se podem encontrar em vários cruzamentos de Nova Iorque, causando um forte estrondo sempre que, a toda a velocidade táxis lhes passam por cima.


Depois e RASGO são projectos diferentes, com um elemento em comum: a representação de uma perspectiva abstracta da cidade, sendo o objecto representado o ponto de vista de André Cepeda; a sua visão subjectiva da cidade de Nova Iorque. Para Cepeda, a fotografia consiste invariavelmente em mostrar «como olha o artista, como enquadra a realidade». Neste caso, trata-se de um ponto de vista baixo que poderia coincidir com o de um cão de rua ou de um coiote. Há assim uma certa intenção performativa nesta experiência fotográfica: a tentativa de influenciar, dialecticamente, a realidade representada. Perante a ausência de figuras, é a presença do próprio fotógrafo e a sua peculiar interacção com o espaço que «humaniza» este último. Ou será talvez mais oportuno dizer que o «animaliza»? O título RASGO, que apela a uma acção ou gesto violento, agressivo (romper, rasgar), parece confirmar esta impressão. 


Por último, a exposição constitui um novo passo na carreira de Cepeda: uma investigação nas possibilidades da fotografia «instalada». Um recurso que começou a ensaiar em Junho, na galeria Fridman, em Nova Iorque, e que repete neste novo projecto na galeria Cristina Guerra. O enigmático cilindro de papel que, como um pequeno e resplandecente arranha-céus, redefine o espaço da primeira sala. Esta ‘escultura fotográfica’ é um elemento imprescindível, também nesta ocasião, porque explora a relação entre a imagem e a sua materialidade ou corporalidade. Finalmente, este é o assunto que unifica todas as imagens e a experiência de André Cepeda em Nova Iorque: a procura do «real» e da escala humana num contexto que, como assinalou Jean Baudrillard, no seu livro América (1986), tende ao artifício, à simulação e ao espectáculo. 



Pedro de Llano, 2017 

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